quarta-feira, 25 de agosto de 2010

De volta! [19]



A manhã apareceu com um sol radioso que iluminava tudo, mas a manhã estava gélida, como quase todas as manhãs. Muita geada e algum gelo espalhado por aí ia-nos regelando também. Despedi-me da minha casa e dos meus pais:
- Virei brevemente, mas se não vier, estarei cá no Natal certamente!
- Deus queira! Contigo nunca se sabe... -
- Claro, em princípio estarei, depois logo se vê, não somos nós que mandamos em nada, vá beijinhos e xau!
- Tem cuidado contigo e vai dando notícias
- Assim farei! Cuidem-se!

E aí ia eu de novo em direcção à praia, ao meu mar e ao Paulo. Levava comigo imenso trabalho, muitas dúvidas existenciais e também muita esperança e uma serenidade que me fazia sentir tranquila...

A viagem decorreu normalmente, parei algumas vezes para descontrair e cheguei antes do almoço. O sol beijava o meu mar e o azul do céu reflectia-se no mar, as gaivotas esvoaçam e o mar abraçava-me, envolvia-me eu feliz rodopiava em mim, ali não havia nada, nem carros, nem pessoas, eu era a senhora do tempo e sorria para Deus, agradecendo-Lhe estar ali, naquele mundo!
Descarreguei o carro num ápice, tinha que fazer umas remodelações num dos quartos para adaptar o meu escritório, nada complicado, por ali tudo era simples! Mas, antes de qualquer coisa ia ver o Paulo, precisava de estar com ele...

Ia cheia de alegria. A chegada à prisão desta vez foi algo natural e o tempo de espera pelo Paulo ia aumentando em mim a minha felicidade por poder estar ali. Quando o Paulo chegou abraçamo-nos como se o mundo tivesse acabado:
- Ó Paulo estou feliz por estar aqui!
- Também eu, saber-te longe fazia aumentar a minha ansiedade, mas estou bem e já comecei a estudar, anda vamo-nos sentar.
- Já trouxe as minhas coisas e muito trabalho, terei que ir a casa com alguma regularidade, há imenso trabalho por lá.
- A sério? Que bom! Mas, olha que vais Ter muito trabalho também por cá...
- Sim? Então?
- Então? Não leste a carta?
- Ah! Sim, li...mas olha que me sinto a naufragar...eu não faço a mínima ideia do que possa fazer...é melhor...
- Não, não é melhor não. O Rafael, o meu advogado vai ajudar-te.
- Ai Meu Deus! E como é que tu queres avançar com essas coisas estando na prisão? Talvez seja melhor aguardar...
- Não! Não posso, são seis anos, mesmo que saia antes, estarei em liberdade condicional, o que “socialmente” também não é grande coisa, mas nada disso me importa; Por isso eu vou passar tudo para teu nome e assim...
- O quê? Não isso não posso permitir.
- Yara! Eu sei o que estou a fazer, tem calma...
- Calma? Tu mal me conheces...
- E tu...conhecias-me no dia que me abriste a porta da tua casa e me convidaste a entrar?
- Mas isso é diferente...
- Não, Yara, é igual, sabes porquê? Porque nada é nosso e tu fizeste-me entender isso muito bem, o que te levou a deixares-me entrar na tua casa?
- Como te hei-de explicar? Foi o teu olhar desamparado, o teu olhar de menino...Se me perguntares o que trazias vestido, não te sei responder, mas os traços do teu olhar ficaram gravados em mim; podemos disfarçar-nos nas roupas que usamos, mas nunca num olhar...
- Pronto, acabas de responder ao porquê da minha intenção de entregar nas tuas mãos a fortuna que a avó Filipa me deixou para eu ajudar os outros...
- Não posso, não posso...
- Yara! Não te estou a comprar, não estejas a pensar isso...
- Está bem, mas dá-me um tempo, é preciso arranjar uma solução, as coisas não podem ser assim...
- Tudo bem, então vais começar a trabalhar não é? E não ficarás um pouco sozinha ali na praia?
- Que ideia, sabes que adoro estar ali, naquele sossego, é tão bom!
- Ainda bem! Sempre que queiras vai conversar com a minha mãe, ela também te adora!
- Sim, também gosto muito dela, irei certamente.
- Ah! Sabes quem veio visitar-me, e falou imenso de ti?
- Quem?
- O António, o padre, ele é meu amigo, andamos na primária juntos..Estava intrigado contigo, mas não disse porquê...não entendi...
Tinha-me esquecido dele...Da pergunta, da Missa no Domingo....
- Yara?
- Ah! Desculpa, esqueci-me do António ...
- Esqueceste? Então?
- Fiquei de aparecer e nunca mais me ocorreu, também não tive muito tempo, tudo aconteceu tão rapidamente...mas, irei visita-lo em breve.
- Vai, ele vai gostar.
Despedimo-nos…Teríamos ainda muita coisa para conversar, mas estava na hora:
- Yara! Vai descansada que eu estou bem!
- Eu vou, e também fico bem! Tem muita força, tá?
- Sim, agora vai!, até breve Yara!
- Adeus Paulo!
Sai da prisão, com uma ideia girando em mim, eu tinha que demover o Paulo daquela ideia de passar os bens para meu nome, e já sabia o que iria fazer…

Mais trabalho... [18]



Às dez da manhã em ponto, apareceram os meus primeiros clientes, vinham pagar:
- Yara! Estamos de facto muito satisfeitos com a nossa casa, ficou tudo impecável e brevemente a nossa filha vai casar, já sabe que contamos consigo – ia-me dizendo o Sr.Arnaldo –
- Claro, estou aqui para isso! O meu trabalho é proporcionar às pessoas um bem estar equilibrado na sua própria casa, o que se gasta, não é mais nem menos, é preciso apenas entender a filosofia do local, e a psicologia das pessoas, depois a identidade surge naturalmente. As pessoas a pouco e pouco têm vindo a entender isto, o que é muito positivo, não basta gostar deste ou daquele mobiliário, ou desta ou daquela decoração, é preciso sim estabelecer vida, harmonia com as pessoas.E a manhã e tarde foram reuniões, visitas a casas, análises e mais análises e finalmente reunião com os meus colegas de curso e trabalho, o Jorge e o Afonso; sempre nos demos muito bem e quando começamos a trabalhar decidimos que íamos trabalhar em conjunto, cada um para si, mas cada um trabalharia mais em determinada área. Eu faço os projectos, que partem, da análise dos clientes e do local, essa é a minha especialidade. O Jorge mais virado para a fase seguinte, as matérias e o Afonso executa. Temos trabalhado assim ao longo dos anos, em equipa, embora cada um tenha a sua empresa, muita vez pensam que somos sócios, mas, efectivamente não somos. Ficaram um pouco abalados com a minha deslocação para o litoral:
- Yara, e agora? Vamos ficar sem a nossa psicóloga de serviço? – Ia dizendo o Afonso. –
- Claro que não! Nada é definitivo, e virei cá com frequência, é questão de juntarem os clientes, entretanto os projectos posso perfeitamente trabalha-los lá, é igual.
- Sim, tens razão. E as nossas viagens? A próxima é à Grécia…
- Eu sei, Jorge, lá estaremos duas semanas, a dar volta a tudo e a vir carregados de tudo e mais alguma coisa…
- Espero bem que sim! Sem ti e as tuas gargalhadas não ia ter piada nenhuma! Mas, espera lá, ou eu me engano muito ou anda por aí passarinho novo…Que se passou nas tuas férias relâmpago? Vens com um brilho novo no olhar? E cheias de ideias…Não foi só do mar, pois não? Bom, se quiseres contar…
- Ai! Deixa-te de coisas! Vamos mas é trabalhar que amanhã de manhã quero ir embora.
- Ok Chefe! Vamos então ao trabalho
Mas, antes tocou o telemóvel…Era o Paulo:
- Olá Yara! Que saudades, como estás? Quando voltas?
- Olá! Como vais? Por aqui muito trabalho, mas penso voltar amanhã, e a tempo de te ir visitar, também tenho muitas saudades tuas.
- Por aqui está tudo óptimo, fico muito contente por voltares, mas vai continuar o trabalho, amanhã falamos! 1 Beijo para ti.
- Outro Paulo e um abraço grande!

O resto da tarde foi passada a trabalhar com os meus colegas, com imensos telefonemas e já era quase noite quando o Afonso:
- Olha vou dizer à Sílvia para trazer umas pizas e jantamos todos, que acham?
- Seria uma óptima ideia, mas não pode ser, tenho que ir jantar com os meus pais, porque vou embora…
- Ah! Tens razão! Então quando não esperares aparecemos na praia, e jantamos lá!
- Óptimo! Por favor avisem-me e leva a Sílvia e o Pedro, e ele qualquer dia já anda e começa a chamar-te papá, que lindo!
- Pois, e tu?
- Eu estou bem assim, gosto!
- Ah! Miúda, és sempre a mesma, não mudas nunca! Agora decidiu ir para a praia. O trabalhão que nós tivemos aqui nesta casinha e agora nem às moscas fica, só mesmo tu!
- A minha casinha fica muito bem, e estará sempre à minha espera, é minha!
Vá e agora ajudem-me a levar estas coisas todas para o carro, fica já carregado…

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

Trabalho...[17]



Aquela tarde foi um corropio. Visitei ainda alguns clientes e adiantei imenso trabalho. Acabei por jantar, não com os meus pais como havia prometido, mas na casa de um casal que já conheço há imenso tempo. Começamos a trabalhar quando a Joana estava grávida, para preparamos o quarto do bebé, o João que já tem 3 anitos, entretanto e ano após ano temos vindo a trabalhar a casa toda, ainda faltam algumas divisões…
- Yara, espero que não fiques por lá muito tempo, vamos sentir a tua falta…
- Virei cá muitas vezes, porque tenho trabalhos em curso, e é preciso acompanha-los de perto.
- Pois, a nossa casa, já não parece a mesma, agora sente-se aquele conforto de estar aqui.
- Ainda bem! Continuaremos o trabalho, sim!!!
- Mas, porque vais embora?
- PoisPpreciso de estar lá…O mar…Lá não há stress, ou se há o mar leva-o, acordo a ouvir o mar, trabalho a ouvir o mar… Isso para mim é tudo, e depois…Apareceu um cliente com um trabalho complicado, mas que não quero perder de vista, por isso aí vou eu!
- Compreendo! Por enquanto não tens família, podes fazer isso!
- Pois, é isso!
E eu ia pensando de mim para mim… Não tenho nem vou ter, serei sempre livre…



A noite trouxe-me de novo para mim, para o meu silêncio, para a minha procura do mar. Abri a janela, mas ele não estava lá. Podia ouvir os carros que passavam, as pessoas e à volta prédios que me aprisionavam os sentidos, e de repente…Um pensamento que me fez saltar o coração… O Paulo, não tinha dito nada…Procurei o telemóvel e não tinha bateria, liguei-o, e lá estavam as chamadas do Paulo e uma mensagem:

- Yara! Deves andar ocupada com o teu trabalho, não te preocupes, pois eu estou muito feliz! O meu advogado conseguiu a autorização para eu terminar o meu curso aqui na prisão, por isso vou estar super ocupado e assim o tempo passará muito mais rápido.
Tenho muitas saudades tuas, espero que regresses em breve, preciso abraçar-te de novo…Já não posso viver sem ti…Desculpa, preciso da tua amizade, mas, sem correntes… Sei que me entendes. Vem quando puderes, tá?
Um beijo para ti Yara!


Desliguei...Senti-me nesse momento abraçada pelo Paulo. Senti nesse momento saudades do Paulo. Olhei ao meu redor, apeteceu-me pôr-me a caminho e amanhã ir visitar o Paulo. Ainda hesitei, mas seria loucura a mais, já tinha clientes marcados para as dez horas da manhã...

quarta-feira, 18 de agosto de 2010

De regresso a casa...[16]



Na manhã seguinte sai de casa cedo, teria algumas horas de estrada pela frente e queria aproveitar a manhã. Voltava então a casa ao fim de uma semana de umas supostas férias…
Mas, antes de partir fui lá baixo, “despedir-me” do meu mar. Uma despedida que é sempre um até já, um até sempre, pois o mar povoa-me como algo que é meu, que o sinto como meu…

Fiz-me à estrada. Sentia-me leve, perfumada por uma certa paz, embora e por momentos algo me inquietasse. A imagem do Paulo surgia. O coração começava a balancear, e eu dizia - Não! – e levantava o som do rádio,. Assim eu já não podia ouvir se o coração quisesse falar... E deixava-me ir, ia camuflando a verdade que queria aparecer…Depois pensava no pedido do Paulo. Na vontade da avó Filipa e sentia-me perdida e pequenina para tanta coisa. O Paulo achava que eu sabia o que fazer, mas eu não fazia a mínima ideia. Entretanto equacionava as coisas, havia de dizer à minha família o que se estava a passar, ou simplesmente não dizia nada, por mais que tentasse, que me concentrasse não conseguia achar a resposta a estas questões, e não tardava muito chegaria a casa, resolvi parar e fazer um telefonema:
- Mãe! Sou eu.
- Então está tudo bem, nunca mais disseste nada, mas como ias para descansar…
- Ah! Sim está tudo em ordem, é só para avisar que estarei aí daqui a pouco, conta comigo para almoçar
- Ah! Regressas?
- Sim…mais ou menos
- Mais ou menos?
- Depois falamos.
- Estás esquisita, não sei explicar…
- Ai! Deixa-te disso, eu estou bem e ponto. Até já!
- Até já então, vem devagar.
Sorri, mas há alguém que ande devagar?
Aproveitei e fui tomar um café e descontrair um pouco…

Cheguei a casa dos meus pais, já estavam á minha espera, e o cheirinho do almoço no ar... E eu ainda sem saber se ia dizer algo ou não…
Fomos almoçar, comecei então:
- Como dizia ao telefone à mãe, eu vim só para visitar alguns clientes e levar as minhas coisas…
- O quê?
- Pois, resolvi passar uns tempos na casa da praia, adoro acordar e adormecer com o mar e o trabalho á beira-mar é muito mais produtivo, por outro lado apareceu inesperadamente um cliente que me vai dar um trabalho grande e terei que estar por perto.
- Mas, isso é por quanto tempo?
- Não faço a mínima ideia, será o tempo que for necessário…
- Tu não paras mesmo, então e os clientes daqui?
- Está tudo sob controle, tenho uns projectos em meio que irei levar e concluir e também se for necessário a qualquer momento venho cá.
- Vá lá, pensei que fosse outra coisa… - ia dizendo o meu pai.
- Outra coisa, como assim?
- Pensei que ias sair do país, contigo é sempre imprevisível…
- Ahaha! Não, por agora ainda fico, mas hei-de sair um dia se Deus quiser!
- Estás diferente Yara! O teu olhar fala… algo que não consigo compreender. – Avançava a minha mãe –
- Ai! Que ideia! Saio uns dias de casa, tem logo que haver novidades!
- Estás apaixonada Yara?
- Eu? Ó mãe, por favor deixe-se de lamechices! Sei que quer muito um neto, mas desista, esses não são os meus planos!
- Sempre a mesma conversa, todas as raparigas da tua idade já têm os filhos grandes e tu não te entusiasmas…
- Ó mãe, por favor, família só complica, assim sozinha posso mudar o rumo da minha vida a qualquer momento. Gosto de viver assim, sem amarras, hoje estou aqui, amanhã estou na casa da praia e no outro dia estou num sítio qualquer…
- Que hei-de dizer, vai e sê feliz!
- Bom, agora vou até casa arrumar tudo, e aproveitar para marcar com uns clientes, se possível para amanhã, penso partir no dia seguinte.
- Tão rápido?
- Partirei quando tiver tudo organizado!
- Não sei porquê, mas acho que estás a esconder algo, mas deixa para lá…
- Pronto, virei jantar para vos compensar, mas agora tenho que ir.

Voltei à minha casa, abri as janelas e deixei entrar o sol, ali estava tudo como o havia deixado. Liguei o computador, emails de clientes, não me apeteceu abrir, liguei o telemóvel de serviço, chamadas e mais chamadas perdidas, e eu que avisei toda a gente que ia de férias, não adianta… Não me apetecia, mas tinha que ser. Comecei a falar com os clientes, marquei algumas reuniões, tudo voltava a andar, e eu estava ali, mas não me sentia ali...

terça-feira, 17 de agosto de 2010

A avó Filipa...[15]




Sai da prisão serenada. O Paulo estava bem. Encheu-me de força e o futuro parecia desenhar-se não tão longínquo como parecia. No entanto, o meu coração balançava, sentia-o balançar, hesitar, queria entregar-se, mas eu seria mais forte e nunca esqueceria o quanto o amor já me fez sofrer, o quanto as alvoradas de luz e cor se encheram depois em noites de escuridão, de dor e sofrimento, eu ia ser forte…
Mas outro sentimento me dominava, sentia uma forte curiosidade de saber o que de tão importante o Paulo me queria “entregar”, por isso nem esperei até chegar a casa. O sol ia tombando e o céu deslumbrante pintado de tons alaranjados, convidaram-me a parar e de imediato peguei nas folhas que o Paulo me tinha entregue, e comecei a ler:
Querida Yara,

Mais uma vez obrigado por tudo. Acabamos todos há pouco minutos de ouvir a minha sentença – seis anos… - que te prometo desde já que não irei cumprir, pois irei ter um comportamento exemplar haja o que houver…mas o meu pai explicar-te-á tudo isso…
Temos que começar a trabalhar já.
A minha avó Filipa, mãe da minha mãe, foi uma guerreira a vida inteira, eles herdaram de seus pais uma grande fortuna. O meu avó Rodrigo só pensava em ter mais e mais, e não se preocupava com nada nem com ninguém, mas a minha avó sempre ajudou os outros, ela levava-me muita vez a um orfanato de crianças, onde ela para além de trabalhar como voluntária (ás escondidas do meu avó), contribuía monetariamente, também às escondidas. Ela ensinou-me desde cedo a valorizar as coisas e a preocupar-me com os que nada tinham, eu convivi muito com essas crianças órfãs, ou tiradas aos pais por maus-tratos, fiz lá amigos que ainda os conservo até hoje. O meu avó morreu quando eu tinha 19 anos, então a minha avó colocou em meu nome vários prédios que ela possui na cidade (depois explico-te quais são), esses prédios seriam para criar algo, tipo uma fundação de ajuda a crianças, mães solteiras em dificuldades e idosos, as palavras da avó Filipa foram: “Paulo, podes ajudar muita gente e dar emprego a tantos que precisam…”, nunca as esquecerei e este foi um dos motivos que fez com que eu vivesse, quando cometi as loucuras dos assaltos, eu ficava sempre a ouvir a avó Filipa com estas palavras… Entretanto, deixou-me também dinheiro, bastante, no qual eu nunca toquei até hoje, aquele dinheiro seria para a obra.
Em linhas gerais é isto, sozinho não sei por onde começar, mas tu saberás certamente, não sei porquê, mas em ti vejo um pouco da avó Filipa.
Pensa em tudo isto, com calma, sei que há muito trabalho para fazer, mas tudo começa do nada, conto contigo Yara! Na altura o Dr.Álvaro exasperou-se com esta situação, tantos trocos que ele não pode juntar à sua extensa fortuna, mas a avó Filipa tomou as suas decisões em vida por isso não havia nada a fazer. Embora hoje ele esteja diferente. No entanto nada disso me preocupa!
Quanto aos meus planos como médico, hei-de contar-tos, mas claro que esses não são para já, no entanto estarão sempre ligados á vontade da avó Filipa, pois foi através dela que descobri que queria ser médico, mas isso fica para outro dia, agora já terás muito em que pensar.

Adoro-te!

Paulo Albuquerque


Eu sorri para o Paulo e para a avó Filipa e fiquei feliz, não sabia muito bem o que havia a fazer, mas eu iria descobrir!

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A 1ª visita à prisão...[14]



Acordei naquela manhã cheia de energia e de ideias. O sol despontava, e eu sentia-me forte. Sai de casa e fui caminhar à beira-mar, tinha que tomar algumas decisões e tal como os pescadores, também queria que elas ficassem escritas no mar…
Caminhei durante muito tempo. Estava serena e pronta para começar a por em prática tudo o que havia decidido.
De tarde ia à prisão visitar o Paulo, não podia esperar mais tempo, tinha que ir, apesar de ele me ter recomendado que fosse apenas quando ele dissesse. Eu sou adulta e sei muito bem cuidar de mim, por outro lado desde que o Paulo foi preso, nunca me senti tão forte como hoje, e também porque teria que me ausentar uns dias, afinal ia prolongar por uns tempos a minha estadia na casa da praia. Teria que ir a casa buscar as minhas coisas, e pôr outras a andar, já sabia de antemão que a minha família não iria entender, mas eu entendia e isso chegava.


Depois de almoço, parti em direcção à prisão, ia bastante serena até chegar lá, depois e de repente parece que toda a minha força começou a desmoronar, mas não ia desistir, e avancei. Aquele tempo em que o Paulo chegava e não chegava pareceram-me séculos. O meu corpo começava a tremer, até que avistei o Paulo. Vinha a sorrir, ladeado por um guarda; e eu fiquei pregada ao chão, querendo mover-me e o meu corpo não reagia, até que o Paulo chegou perto de mim:
- Yara!



Abraçou-me e eu comecei a chorar, então o Paulo pegou-me com as mãos na nuca e encostou a sua cabeça à minha, e ia-me dizendo:
- Sossega, sossega, o pior já passou, o pior foi o ano que eu passei na rua, agora estou a caminhar em direcção à liberdade, e tu vais-me ajudar, nem imaginas a felicidade que eu senti quando vi que eras tu a minha visita. Obrigado, é pouco para te agradecer, não tenho palavras…
- Desculpa, mas não sei o que me deu…sentamo-nos?
- Claro! Tenho imensas coisas para falar contigo; o meu pai disse-me que já te avisou da situação da pena...
- Ah! sim ele foi logo lá depois do julgamento. Fiquei mais sossegada.
- Pronto, então não te preocupes, vai correr tudo bem! Entretanto e para não estarmos aqui a falar deste assunto, e porque ele é um bocado demorado, escrevi tudo aqui, vais levar contigo.  Lês e pensas, sem pressa; o meu plano futuro, como médico, talvez ainda demore algum tempo, mas a vontade da minha avó Filipa, tens que me ajudar a realizar o quanto antes.
- Eu?
- Sim, Yara, em ti sei que posso confiar inteiramente, como tu confiaste em mim, quando me abriste a porta da tua casa e me acolheste como se me conhecesses desde sempre. Pensaste que eu era um mendigo, depois soubeste que eu era um fora da lei, e nunca nada fez qualquer diferença para ti, amo-te Yara, tu és um anjo…
- Ai! Paulo não sei nada do que estás a falar, nem do que me queres confiar, por favor tem calma, haverá outras pessoas tuas amigas. Os teus pais…
- Sossega, não sei porquê, mas acho que a vontade da minha avó Filipa tem a tua cara, ela era assim como tu, uma guerreira, e eu era o seu único neto; quanto ao meu pai…que lhe fizeste? Num dia chega aqui e diz “raios e coriscos” de ti, sem te conhecer sequer, no dia seguinte parecia uma outra pessoa, até comigo, que aconteceu?
- Nada de especial, só lhe fiz uma pergunta…
- Qual?
- Se ele era feliz.
- E ele?
- Calou-se na altura, mas está diferente sim, e eu fico contente, por ele e pela tua mãe.
- A minha mãe é uma santa, nem sabes o que temos sofrido, mas deixemos estas coisas. Quero agradecer-te por teres estado ontem no tribunal, só te vi à saída embora soubesse que estavas lá.
- Eu sei que me viste, e adorei o teu sorriso, no meio daquela confusão toda. Agora tens que ser forte, Paulo, muito forte.
- Eu sei disso, está descansada, entretanto vou pedir ao meu advogado que me trate de pedir autorização para eu terminar o curso enquanto estiver aqui, assim aproveito.
- Óptimo, fico muito contente. Olha também vi hoje porque vou ter que sair uns dias, não muitos espero…
- Sair? Já?
- Tem calma. Eu vinha passar uns dias de férias aqui, entretanto as férias vão ter que ficar para outra altura…
- Ó pensei que ficasses mais tempo, mas … e os planos?
- Eu explico, vou buscar as minhas coisas, para poder trabalhar aqui, tenho projectos a meio, e pretendo ficar aqui mais tempo do que o inicialmente previsto…
- Ah! Que bom! Fico tão contente. Mas, espera, nunca me disseste o que fazes?
- Pois não, é verdade, mas digo-te agora, sou designer de interiores, trabalho por minha conta, por isso posso trabalhar em qualquer sítio, não gosto de criar raízes.
- Que bom, fico imensamente contente, e vais ter mais trabalhinho brevemente.
- Vou? Óptimo!
- Agora vou, já estamos aqui há imenso tempo e antes que te peçam para ir, é melhor ires.
- Sim! Obrigado pela surpresa, adorei! Eu vou ligando, e quando puderes volta, entretanto vou começar a estudar!
- Isso mesmo! Preparar hoje o futuro.
Despedimo-nos, olhamos ainda para trás com um sorriso e um adeus…

A bonança...[13]



Já em casa, por mais que tentasse não consegui parar de chorar, uma tristeza enorme tomava conta de mim, mas, tinha que ir descansar. Ouvi bater na porta, quem seria? Lembrei de imediato da última vez que tinham batido… Fui abrir, era o pai do Paulo:
- Yara, desculpa vir já, mas tinha que te acalmar, eu vi como saíste do tribunal.
Eu ia limpando as lágrimas que não paravam de cair e ele continuou:
- Peço-te desculpa, mais uma vez pela minha reacção no outro dia, mas agora não vamos falar disso, posso entrar?
- Ah! Sim, desculpa.
- Olha Yara, a sentença foi seis anos, mas não quer dizer que o Paulo vá ficar seis anos na prisão…
- Não?
- Não! Ele poderá sair ao fim de um ano em liberdade condicional, se tiver bom comportamento, por isso acalma-te, filha.
O Álvaro a tratar-me por filha? Que estranho e continuou:
- Sei que vais ajudar o Paulo a portar-se bem, sei também que se amam e teremos muito gosto, eu e a Maria de vos ver felizes.
- Felizes? Amamo-nos? Álvaro, não estará a ir longe demais?
- Está bem amiga, deixa isso agora, depois falaremos sobre estas e outras coisas, agora vai descansar e sossega. O Paulo está bem e manda-te um abraço enorme.
- Entre as lágrimas, sorri.
Despedimo-nos. Mas antes de fechar a porta:
- Obrigado Álvaro, agora fico mais tranquila.

Fui descansar, as lágrimas cessaram e eu sentia-me serenar, a chuva também tinha parado e eu ia adormecendo embalada pelo meu mar e repetindo em mim as palavras… - Felizes? Amamo-nos? -

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

A sentença...[12]





Depois de um dia maravilhoso, cheio de alegria e bem-estar, a noite carregava-se de negro, e até de algum medo, provocado pela incessante trovoada.  O clarão dos relâmpagos reflectidos no mar também em fúria, uma noite enorme que não tinha fim.
Não consegui sequer deitar-me. Ficava vagueando de um lado para o outro, queria entender-me, sem o conseguir. O meu coração batia tão forte, que eu achava que ele ia sair do meu peito. Tentava pensar positivo, que o Paulo estaria a caminhar para definir a sua vida e sim, ela passava pela prisão, mas quanto tempo? E mais um relâmpago e um trovão e outro e outro; acabou por faltar a luz, mas eu não tinha frio, sentia-me gelada por dentro e sufocada por fora. Queria que amanhecesse rápido, e que tudo se resolvesse rapidamente, mas, outras vezes queria prolongar o tempo…

De repente parei e interroguei-me - que se passa Yara? Ainda a semana passada não conhecias o Paulo. Como pode uma pessoa entrar na tua vida e mudar o sítio das coisas? – Fiquei muito tempo, sentada a pensar nesta minha interrogação, tanto tempo que quando “voltei” a trovoada tinha finalmente cessado, a luz voltado e a manhã anunciava-se.


A manhã surgira enevoada, mas o sol mostrou-se um pouco, embora envergonhado. O edifício imponente do tribunal, metia respeito. Os olhares dos presentes trocavam "mensagens" de cumplicidade e de ansiedade, alguns tinham, ainda, sinais vincados que não disfarçavam uma noite sem dormir, entre os quais eu estava incluída. Havia imensa gente e muita comunicação social, eu fiquei num canto, seria mais um dos curiosos, uma pessoa anónima no meio da multidão que se ia juntando. O meu coração voltava a bater fortemente. Eu ia tentando acalmar-me, sem o conseguir…

Nove horas. Abre-se a sala de audiências: ministério público, advogados, testemunhas e curiosos, tomam agora os seus lugares contornando os fios das máquinas de filmar e dos microfones da comunicação social. Ao fundo da sala vê-se uma imagem de mulher que tem nas mãos uma balança e nos olhos uma venda. Todos percebem, por certo, que se trata da imagem da "Justiça".
Levantem-se!!! Alguém disse.
Entra o juiz, homem na casa do 50, olhar sereno e penetrante que transmite uma mistura de autoridade e medo.

E o julgamento tem inicio. Um silêncio perturbador preenche aquela sala, até que o Ministério Público inicia a acusação, interroga o Paulo e o seu advogado, que face à evidência das provas, limita-se a pedir justiça.

Sentia-me transpirar. As minhas mãos tremiam, e o meu coração batia descompassadamente. Quanto tempo? Quanto? Era essa a pergunta que se abeirava de todos nós. E o Paulo, como estaria? “Não tenho medo”, parece que estava a ouvi-lo dizer estas palavras…

A Expectativa era muito, não tarda e a sentença condenatória ditará o futuro imediato do Paulo.




O juiz levanta-se e, acto contínuo, começa a ler a sentença onde constam os factos provados e não provados. O ambiente é agora tenso, cabisbaixo, o Paulo manifesta um profundo arrependimento que parece "contagiar" o Juiz e os presentes.
Lá fora começa a chover a "cântaros" e os primeiros trovões e relâmpagos parecem trazer à memória dos presentes os mistérios da fé e da justiça dos homens.
O juiz, sem se deter, termina a leitura da sentença com algum embargo na voz: «este tribunal condena o arguido, Paulo Albuquerque, em cúmulo jurídico, na pena de seis anos de prisão efectiva pela prática, em associação criminosa, de vários crimes contra o património».
Um silêncio "gelado" "prende" os presentes aos bancos de madeira de pinho, que só é interrompido pelas palavras do Juiz: Terminou a sessão!

Eu não estava em mim…seis anos? Tanto tempo? Não era possível…
Lá fora a chuva continua a cair torrencialmente e eu chorava, como há muito, muito tempo não o fazia.
Agora Paulo é a figura alvo, fitada por todos. A comunicação social cerca-o na expectativa de lhe "arrancar" algumas palavras. Engano!!! Do Paulo, nem uma única palavra…Mas um olhar, sim o Paulo olhou-me e sorriu, um leve sorriso, como que agradecendo-me de eu estar ali. No meio de tanta gente, o Paulo viu-me e eu senti o seu olhar. Apeteceu-me correr para junto dele e abraça-lo e dizer-lhe que não está só, mas, encaminhei-me para a saída.



Quando sai do tribunal não me dirigi ao carro, mas fui andando pela rua, deixando-me molhar pela chuva que não parava. Estava muito triste, seis anos era muito tempo, será que o Paulo ia aguentar?

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Correspondência...[11]



Dirigi-me para casa; vinha perfumada do meu mar, inundada por ele e nem o cheiro a peixe me fazia deixar de andar nas nuvens. Sentia-me tão bem, tão leve... A experiência com os pescadores tinha sido algo que me preencheu inteiramente. Adoro aquela gente simples, mas ao mesmo tão grande!

Abri a porta de casa e três envelopes por debaixo da porta fizeram-me parar…Correspondência? Não tinham remetente e cada envelope tinha sua caligrafia e diziam apenas: YARA.
Voltei para o alpendre, estáva curiosa, e toda suja da pesca, por isso leria ali as misteriosas cartas...Abri uma que dizia:
"Querida Yara,
passei por aqui, estive no teu alpendre esperando-te, mas, fez-se tarde e tive que ir.
Vinha para te fazer uma pergunta, por isso deixo-a aqui e depois procura-me para me responderes:
Diz-me por favor porque naquele dia na missa não tiraste os teus olhos da Cruz?
Senti um forte relacionamento com Ele, no entanto achei que não costumas ir à Missa, enganei-me?
Perdoa-me ter-te vindo incomodar, mas a tua fixação na Cruz inquietou-me.
Do teu Amigo António

Continuei para a próxima:

“ Yara,
Sou o pai do Paulo, vinha falar contigo, mas não estavas. Esperei-te ainda um longo tempo no teu agradável alpendre;.
Desde aquele dia que estive aqui não consegui deixar de pensar em ti e nas tuas poucas e tão profundas palavras. Foram essas palavras que hoje me fizeram voltar, pois elas não mais me deixaram – “És feliz?” –“ quanto ao cheque, se te sobra, vai dá-lo aos pobres, e pelo menos uma vez na vida faz algo a pensar nos outros e não em ti e no teu dinheiro.”
Yara, quero ser feliz amiga. Perdoa-me pelas palavras que te dirigi. Voltarei.

Abraço,
Álvaro
Eu nem estava em mim com o que acabava de ler, mas continuei para a 3ª carta:

“Yara, minha filha,
Queria tanto falar contigo, amanhã é o julgamento do Paulo, vai ser terrível, conto contigo, estarás lá, sim? Discretamente, como tu queiras, mas vai, mesmo que o Paulo te peça para não ires, vai filha, eu te peço."

Maria
Claro que eu iria ao julgamento não o ia perder por nada. O Paulo nem disse para eu ir, nem para eu não ir.
Tanta coisa se tinha passado, tanta gente que queria falar comigo. De repente saltei da cadeira, eu tinha estado fora o dia inteiro, talvez o Paulo tivesse tentado comunicar-se comigo. Entrei a correr e fui ao telemóvel, várias chamadas, e uma mensagem:

- Yara, não estás em casa, ou talvez estejas a descansar, não te preocupes, está tudo bem. E eu estou pronto para o julgamento, será amanhã às 9 horas. Nem te peço para vires ou para não vires, deixo isso nas tuas mãos, tu sabes o que será melhor, reza por mim amiga, não peças nada, apenas que eu seja forte. Um beijo

Lá estarei amigo!
Era preciso voltar á realidade…

A Aventura da pesca! [10]

Aproveitei a tarde para descansar, conforme me recomendou o Sr. José. O Dia seguinte ia ser cheio de emoções e às 3h da manhã partiríamos.
Sentia-me tranquila, e muita animada, finalmente ia à pesca!



E assim foi. O luar estava magnífico, preenchia a noite, o mar calmo, muito calmo convidava-nos e assim entramos todos no barco. O momento era de alegria, mas antes de partimos, o pescador mais velho, iniciou uma oração:

Senhor,
Aqui vamos para as tuas águas
Não somos nada, mas contigo
Tudo podemos,
Partimos agora
E só Tu nos poderás trazer de volta,
Protege-nos e às nossas famílias também
Que em terra ficam orando por nós.

(Todos se preparavam para dizer Ámen…)
Mas ele continuou…

Senhor,
Sabemos que a pesca é coisa
De homens destemidos,
Mas hoje levaremos connosco
Esta jovem aventureira,
Por favor protege-a também.

Ámen

Depois desta oração, achei que já não voltava mais a terra, parecia uma despedida, mas depois olhei para eles, todos poderiam ser meus avós, já tinham ido tanta vez ao mar, e ri!


E fizemo-nos ao mar.  Todos queriam saber o porquê da minha presença ali com eles:
- Menina Yara, mas que ideia é esta, porquê?
- Sempre pensei que um dia viria à pesca e por isso aqui estou convosco!
- E nós temos muito gosto nisso, mas as mulheres não costumam vir, se calhar nunca nenhuma veio connosco, pois não Francisco?
- Não, a menina Yara é mesmo a primeira a entrar mar dentro aqui no nosso Conceição.
Conceição era o nome do barco, e o Sr.José continuou:
- Estive a pensar…e se vocês concordarem, o nosso barco novo que está para chegar vai chamar-se Yara? Que acham?
- Que óptima ideia, assim este dia ficará para sempre gravado no nome do nosso barco!
- Sabes Yara, as nossas grandes decisões tomam-se no mar e não em terra, é no mar que fazemos os nossos projectos, é no mar que sempre nos acolheu que tudo fica escrito, como no papel. – Ia-me segredando o Sr.José.


Quando já não se avistava terra, o sol imponente foi aparecendo, iluminando o mar, que estava calmo, muito calmo, foi um momento indescritível, de uma beleza que nunca pensei ver. Fechei os olhos agradecendo aquele momento, eu, o sol e o mar…
A minha alma estava extasiada e ia-me preenchendo por todo aquela imensidão que me apaziguava.



Podíamos ver os peixes que rodeavam o barco, não tardava eles iam lançar as redes, e os pobres peixinhos lá iam desta para melhor…Mas que fazer? Por isso estavam ali.


Notava-se neles uma grande coordenação, todos sabiam exactamente a altura de fazer as coisas, bastava um gesto, um “grito” e eles já sabiam o que havia a fazer.
E mais um gesto e todos pegaram nas redes, aquele momento foi outro momento magnífico!
E a alegria no recolher das redes! Era preciso muita força, e eu fui lá também ajudar. E os peixes saltavam na rede, eram imensos.  Todos estavam muito contentes.
Era hora de regressar e o caminho de volta foi uma festa!
Quando avistamos terra, todos se calaram e rodearam o Sr.Francisco que voltou a rezar:

Senhor,
Voltamos á tua terra
Voltamos para as nossas famílias
Obrigado Senhor

Já estávamos quase a chegar, mas antes:
- Então Yara? Gostaste de ir?
- Sim, adorei, hei-de voltar, aguardo pelo barco novo !
- E nós teremos muito gosto de te levar connosco.




Já em terra não quis deixar de registar o momento, ali estavam os peixes que havíamos pescado!
Era hora de voltar para casa. Tinha vivido uma aventura e tanto!

quarta-feira, 4 de agosto de 2010

Yara pescadora! [9]


Mais uma vez acordei cedo. O sol ia rompendo o nevoeiro e eu deixei-me ficar sentindo o tempo passar sem pressa, parece que tudo voltava a andar lentamente, excepto o meu mar que se agitava e me acalmava entre uma vaga e outra…


Finalmente consegui desfazer as malas, arrumar tudo e saber o sítio das coisas. Preparava-me para sair quando tocou o telemóvel:

- Yara!
Reconheci de imediato o número e a voz…
- Sim, Paulo, como estás? Dentro de alguns minutos conto estar aí!
- Não, não venhas.
- Então? Que se passa?
- Deixa acalmar as coisas, deixa esta gente esquecer um pouco o assunto, depois de amanhã vou a julgamento e só depois saberei quanto tempo vou ficar por aqui.
- Ah! Compreendo…
- O meu pai vai querer pagar a caução, mas eu não quero.
- Então?
- O meu pai pensa que resolve tudo, e compra todos com a porcaria do dinheiro dele, mas eu não quero, ficarei aqui o tempo que o juiz deliberar. Ah! Tem cuidado com o Dr. Álvaro…
- Não preciso
- Precisas sim, tu não o conheces, ele trata todos como se fossem lixo…
- Não te preocupes, mas diz-me estás mesmo bem, dentro das condicionantes?
- Sim estou, pensei que isto fosse pior; Já leste a minha carta?
- Já li, obrigado pelas tuas palavras, entendeste-me na perfeição. Também te quero muito bem, mas sem correntes…
- Eu sei!
- Olha, não entendi o que eu posso ter a ver com a medicina, acredita que isso me deixou intrigada…
- Eu imaginei, podes não ter a ver com medicina, mas terás certamente a ver com o coração, explico-te tudo numa outra carta que a minha mãe te entregará, não dá para estar a falar ao telefone e não sei quando poderás cá vir, mas por favor, não venhas sem eu dizer, tá?
- Tudo bem, farei como tu disseres. Tem juízo!
- Tenho, está descansada e aproveita para descansar! Agora tenho que desligar, está a acabar-se o dinheiro no cartão…
- Adeus, até outro dia!!
- Adeus Yara, e obrigado!

Desde que cheguei, os planos eram sempre alterados, por isso não faria mais planos, viveria um dia de cada vez, sem me impor, sem esperar nada, apenas deixando as coisas acontecer.

Saí, levando a lembrança que tinha trazido para a Dª Esmeralda e para o Sr. José, iria a pé, assim aproveitava para caminhar um pouco...
Adoro a praia no Inverno, quando fica sem ninguém, apenas o mar, a areia e eu. Caminhando sozinha sobre a areia sentia-me a imperadora daqueles caminhos sem fim, onde não havia nada, e ao mesmo tempo tudo...

Ainda estava distante da aldeia dos pescadores e já vejo a Dª Esmeralda de braços no ar a chamar por mim:

- Yara, Yara! Até que enfim menina!
Eu acenei-lhe também e apressei o passo. Quando cheguei já tinha dois braços abrtos à minha espera:
- Querida! Há tanto tempo que não te via, e os paizinhos estão bons?
- Sim, está tudo bem!
- Ai, filha, não fiques ali sozinha, vem até aqui ao pé de nós mais amiúde.
- Virei, Dª Esmeralda, mas tenho os meus trabalhos para fazer e para isso preciso de estar sozinha, compreende?
- Pois, eu sei, filha, mas custa-me que estejas ali isolada e sozinha.
- Não se preocupe, quando me sentir só, eu virei até aqui.
- Bom, vou pôr mais um prato na mesa, almoças connosco!
E adiantava dizer que não?
- Claro que sim, com todo o gosto!

O almoço foi um divertimento, a recordar tempos passados. Sentia-me bem com aquela gente tão simples quanto eu, mas, era hora de partir, não sem antes fazer um pedido ao Sr. José:

- Amigo, queria pedir-lhe uma coisa…
- Então Yara? Tudo o que tu quiseres!
- Agora que já sou crescida, já me pode levar à pesca, que acha?
Mas, logo a Dª Esmeralda interveio:
- Ai, filha, deixa-te disso, a pesca é para os homens e homens de barba rija.
- Ò mulher, desde pequenina que a Yara quer ir à pesca, conta com isso, queres ir já amanhã?
- Fala a sério? Quero pois!
- Então está descansada que ainda hoje deixo na tua casa o teu equipamento, aproveita para descansares porque partiremos noite dentro!
- Ai! Meu Deus ajude esta gente que não sabem o que fazem, onde é que já se viu, mulher ir para a pesca!
- Esteja descansada Dª Esmeralda, vai correr tudo bem!

Deixei a casa saltitante de alegria, era pequenina e almejava um dia ir à pesca, e parece que esse dia estava a chegar!

terça-feira, 3 de agosto de 2010

De volta a casa...[8]

Fiquei no alpendre até ao anoitecer, sentia-me bem, sentia-me forte, apesar de todos os disparates que tinha acabado de ouvir. Fiquei a pensar naquele encontro e no sofrimento que aquele homem devia gerar à sua volta e nele próprio…
Era hora de entrar, a casa estava fria e mergulhada em silêncio, acendi todas as luzes, como que procurando algo, mas tudo estava no seu lugar e o Paulo estava na prisão e não ali. Lembrei-me de repente do telemóvel, fui procura-lo. Encontrei-o. Liguei-o e entre muitos números havia um que se repetia várias vezes, era o Paulo, de certeza. Mas não adiantava eu ligar, havia mensagens e uma de voz. Ouvi, era o Paulo dizendo que estava bem e para eu ter cuidado com o pai dele. Eu ri, pois já tinha dominado a fera!
Eu estava a rir, eu estava descontraída, sentia-me forte e ia conseguir cuidar do Paulo.

Agora a lareira era a minha única companhia e o som da lenha a crepitar o único que ousava penetrar o silêncio. Ia pensando o motivo que me trouxe ali, que era passar uns dias em sossego comigo própria, mas tudo estáva modificado, teria que ir visitar o Paulo, e quando o poderia visitar? Teria que me preparar para o visitar, teria que lhe passar uma mensagem forte, que lhe desse confiança e força...
De repente lembrei-me da carta do Paulo, ainda a não tinha lido, pensava lê-la na praia, mas depois apareceu o Dr.Álvaro... Mas agora seria a altura. Procurei-a no casaco e lá estáva à minha espera. Prometi a mim própria independentemente do que estivesse escrito eu continuaria a minha missão de cuidar do Paulo.
Peguei-lhe, estava a custar-me abri-la, mas tinha que ser…

“Querida Yara,
Quando leres estas minhas palavras já não estarei aí contigo, estarei na prisão e muito feliz, feliz por te ter encontrado.
Vou aproveitar o tempo que ficar na prisão para estudar bastante, para quando sair terminar o meu curso, não te cheguei a dizer qual é, tu também não perguntaste, é medicina. Tenho planos, sempre os tive, mas agora ainda mais, o meu pai sempre pensou que eu ia ser um famoso médico, que ia ter consultórios espalhados pelo país e o meu nome a dourado numa placa, mas essa nunca foi a minha intenção, por isso querida Yara, espera por mim, gostava de trabalhar contigo, com o tempo te direi os meus planos! Talvez possamos até começar já a trabalhar (mesmo não sabendo nada de ti, nem dos teus planos…)

Pensaste que ia dizer que te amo?
Sim, querida, AMO-TE, mas isso não importa, li nos teus olhos que o teu coração é de guerreira e não se prende. O teu coração não suportaria ficar sufocado por uma única pessoa, o teu coração precisa de muitos corações, mas que nenhum te sufoque com as lamechices da paixão…No entanto, deixa-me dizer-te que perto de ti as palavras perdem o som, que o mundo acaba…Que como homem me foi difícil resistir, mas, para mim és Yara…um anjo que eu não ousaria tocar.
Conto contigo para cuidares de mim, a prisão será apenas um momento da minha vida, depois terei o tempo todo do mundo. E quero aprender a ser guerreiro como tu!

Um abraço e um beijo do teu amigo,

Paulo de Albuquerque


Li a carta, mais uma vez ou duas, quais seriam os planos do Paulo?
E o que medicina poderia ter a ver comigo?
Perguntas que me inquietavam…amanhã mesmo iria tentar falar com o Paulo…

Dr.Àlvaro ... [7]

Continuei dirigindo sem direcção ainda durante alguns quilómetros, mas resolvi parar. Entrei num café e pedi algo simples para comer-Rreparei na televisão do outro lado do café e uma frase que me chamou a atenção – Paulo de Albuquerque afinal está vivo – era o Paulo. Reconheci Maria e uma grande confusão em torno de tudo. Voltei a sair. Fui fazer umas compras, pois não tinha praticamente nada em casa. Sentia-me cansada, precisava mesmo de voltar para casa e descansar.
Chegada a casa, deixei as comprar no alpendre e antes de entrar, desci até ao mar…



O Sol ia caminhando para o ocaso, lentamente sem pressa. As nuvens ameaçavam chuva, e o mar majestoso, sempre igual e sempre novo, ali só para mim. Sentei-me na areia molhada e deixei-me ficar, precisava de me acalmar, de ganhar forças para abrir a porta de casa. Mas, de repente:

- Tu é que és a amiga do Paulo?
Assustei-me e virei-me repentinamente:
- E tu quem és?

Um homem dos seus sessenta e tal anos de barba e óculos, de fato e gravata. Soube de imediato quem seria…
- Eu sou o Dr. Álvaro de Albuquerque, pai do Paulo.
Já tinha estragado tudo, detesto quando as pessoas se apresentam colocando o título atrás, ele continuou a tratar-me por tu e eu também, indiferente ao Dr.:
- Muito prazer em conhecer-te, o Paulo tinha-me dito que eras advogado.
- E tu, como te chamas?
- Yara…
- E qual é o teu sobrenome, e o teu título?
- Chamo-me Yara, isso chega para todas as pessoas que me conhecem, para ti não chega?
- Já estou a ver tudo, tu és mais uma das amiguinhas do Paulo, que sempre fizeram tudo para lhe extorquir dinheiro e ainda o arrastaram para a situação em que ele se encontra.
- Eu?
- Sim, tu, não te faças de santinha, enganaste a minha mulher, mas a mim não me enganas, és uma cabra igual a todas as outras.
- Desculpa, estás a ofender-me.
- Tu é que me ofendes, fazendo-te amiga do Paulo, vocês estragaram-lhe a vida, só pensam em dinheiro. Eu tenho um império. Metade da cidade é minha. Sou alguém muito importante, embora esta história me tenha afectado um pouco, ainda mantenho o meu bom nome na praça; se bem que era preferível o Paulo estar morto. O aparecimento dele veio estragar tudo, as coisas já estavam esquecidas e agora novamente isto
- O quê?
- Vim aqui para te dizer que te quero longe do Paulo, nem penses em andar de volta dele e depois quando ele sair o velho conto de fadas “viveram felizes para sempre”. Quero-te longe, aqui tens um cheque, afasta-te, podes dar a volta ao mundo, faz o que quiseres, mas não te quero por perto.

Eu estava perplexa, abismada e quase a entrar em fúria, mas respondi-lhe com uma pergunta:
- És feliz?
Finalmente calou-se, aquele homem só sabia falar, não ouvia ninguém, era dono do mundo e da verdade, mas a resposta não vinha, por isso continuei:
- Não precisas responder, já sei a resposta. Quanto ao cheque, se te sobra, vai dá-lo aos pobres, e pelo menos uma vez na vida faz algo a pensar nos outros e não em ti e no teu dinheiro. Quanto à minha vida, sei muito bem cuidar dela, obrigado! Agora desculpa, mas tenho que ir.
- Espera, posso voltar?
- Podes voltar as vezes que quiseres, a praia é pública.
- Não entendeste, gostava de voltar a falar contigo, vou pensar na pergunta que me fizeste, nunca ninguém me fez…

Eu tinha conseguido desarmar o coração do “Imperador”, do senhor que manda em todos? Eu não estava a acreditar…
- Podes voltar, se eu estiver disponível, quem sabe!?

segunda-feira, 2 de agosto de 2010

As cartas...[6]


Preparava-me para deixar a igreja, mas de repente e por impulso coloquei a mão no bolso do casaco... A carta. Eu não tinha dado a carta à mãe do Paulo, não era possível.  Tinha que correr, não sabia quanto tempo se havia passado, e como iria agora descobrir a mãe do Paulo? Perguntas para as quais não tinha resposta. 
Dirigi-me em passo muito apressado para a saída da igreja, mas antes que tivesse alcançado a porta, esbarrei com um senhor, e foram livros e folhas e mais folhinhas tudo espalhado no chão. Pedi-lhe desculpa.  Um a um apanhei tudo e voltei a colocar-lhe na mão:
- Peço desculpa, sou uma desastrada.
- Mas, ainda estás aqui?
Eu já não percebia nada…
- Conhecemo-nos? Chamo-me Yara.
- E eu António
- Prazer, mas não me lembro de antes nos termos cruzado. E agora desculpe que tenho um assunto gravíssimo para resolver, até um dia!
- Espera!
Voltei a parar, parece que quanto mais pressa, mais coisas me faziam perder tempo.
- Tu estavas na Missa ao lado da Dª Maria.
- Sim, estava, e?
- Não me viste?
- Não…
- Pois, reparei que não tiraste nem um segundo os teus olhos da Cruz.
- Estava a meu lado?
- Não, mas na tua frente, eu fui o padre que celebrei a Missa.
- Ah! Desculp,eu não reparei. Mas, conhece a Dª Maria?
- Sim, muito bem. Porquê?
- Pode conduzir-me a casa dela?
- Sim, com todo o gosto, mas que se passa?
- Explico-lhe pelo caminho, agora temos que ir antes que seja tarde.
E fomos.  Pelo caminho expliquei tudo e quando paramos à porta da casa do Paulo, Maria preparava-se para partir. Corri para ela e estendi-lhe a carta;
- Maria, desculpe, há bocado esqueci-me deste assunto, o Paulo pediu-me para lhe entregar esta carta.
- Obrigado, filha! Vou agora abraçar o meu Paulo. Ah! O meu marido quer falar contigo, onde te pode encontrar?
- Na praia. Depois da aldeia dos pescadores é a primeira casa, uma que está isolada, amarela, ele que vá ter comigo, possivelmente estarei lá. Força para si.
- Estou feliz, muito feliz querida, apesar de o meu marido não estar a lidar bem com a situação, mas ele há-de cair em si.
Despedimo-nos e voltei para o carro do padre António, apetecia-me andar a pé, mas seria uma falta de educação não ir com ele de volta, e fomos. Pelo caminho explicou-me que o pai do Paulo era um afamado advogado da praça e que com estas confusões do Paulo, o seu nome ficou beliscado, mas depois da “morte” do Paulo tudo tinha serenado, por isso entendia muito bem as palavras da Maria. Cheirou-me a confusão, mas nada disse, apetecia-me mesmo estar sozinha, por isso assim que me vi fora do carro, despedi-me:
- Padre António, agradeço-lhe por tudo, mas agora tenho mesmo que ir, já deixei tanta coisa para trás, havemos de nos voltar a encontrar!
- Vem ao Domingo á Missa.
Missa? Interroguei-me…
- Ah! Depois vejo. Mais uma vez obrigado!

De volta ao meu carro, pensei em ir para casa, mas não, a casa estaria certamente cheia do Paulo, precisava estar mais forte para voltar.
E fui andando sem rumo, estava cansada e nem conseguia pensar em nada; mas de repente travei, a carta, a minha carta? Procurei-a no outro bolso do casaco e lá estava dobrada. Passei-a de mão em mão, olhei-a de todos os ângulos, como que tentando adivinhar as palavras que ali dançavam. O que o Paulo me queria dizer que eu ainda não tivesse visto ou sentido?
A Carta voltou para o bolso, não era o sítio, nem o momento...

Dia D...[5]


Chegou então a manhã de mais uma noite sem conseguir dormir. Estava cansada de tanto pensar, de tanto me esforçar para que aqueles momentos não me custassem, mas iam-me custar...
Levantei-me ainda era noite, tentei relaxar no banho, mas eu tremia, o meu sistema nervoso estava alterado e esgotado, preparei-me para sair, arrumei o quarto, passei na sala e o Paulo ainda dormia. Saí, a neve ia derretendo, a temperatura tinha subido bastante, e o céu estrelado anunciava um dia de sol, sentei-me lá fora, tentando que o meu mar me serenasse, fechando os olhos e respirando fundo, deixando que aquele cheiro a mar me invadisse, e pouco a pouco ia vendo o sol a furar por entre a escuridão, devagar, sem pressa, e eu fui ficando amortecida, calma, sentia-me de novo, eu..YARA!

Entrei. O Paulo já tinha acordado e acendia a lareira:

- Bom dia! Preparado?

- Sim sócia! Vamos tratar do assunto, sinto-me mais forte que nunca, vai correr tudo bem!

- Óptimo é bom ver-te assim! Vá pequeno-almoço, banho e toca a andar!

- Ok! Chefe!
E era hora de partir…Paulo emocionava-se e ia dizendo:

- Desculpa, mas agora tenho que chorar, nunca pensei que a minha vida se resolvesse aqui…na “minha” casa, mas ainda bem que assim foi…Posso dizer-te uma coisa com carinho e muito respeito?

- Sim, claro! Podes dizer o que quiseres…

- Adoro-te.

- Eu também gosto muito do teu coração! Vá mas agora vamos, sabes que tem que ser!

E saímos, o percurso até à cidade foi um longo silêncio, salpicado de muitas lágrimas… Havia pouco trânsito, ainda era muito cedo, e íamo-nos aproximando… até que Paulo…

- Yara! Escuta uma coisa, não podes entrar comigo, deixa-me do outro lado da rua e vai ter com a minha mãe, ela costuma ir à Missa das 9 horas, tens que a apanhar lá, isto vai ser um escândalo, vai meter tudo ao barulho, jornais, revistas, televisão, como te disse o meu pai é alguém muito conhecido na cidade… E não quero que a minha mãe saiba por estes meios, mas por ti, por favor faz o que te peço, sei que pensavas entrar comigo, mas não pode ser, por favor!

De facto eu pensava entrar com o Paulo…

- Está bem, darei então a volta ao quarteirão e vou depressa ter com a tua mãe, fica descansado, chegarei lá antes das 9 horas…

Parei então o carro…Rabisquei o meu número de telemóvel num cartão e entreguei ao Paulo:

- Este é o meu nº, penso que anda desligado no fundo de um saco, hei-de procura-lo quando chegar a casa, quando puderes dá notícias, se não deres, é porque não podes. Eu fico descansada na mesma, peço-te que te portes à altura, isso tu já sabes, agora vai, sê forte!

- Adeus Yara, até breve!

E deu-me um beijo na testa.


Vi-o partir… Agora era eu que tinha que chorar, atravessou a rua e antes de entrar disse-me adeus…

Estava feito. Mas eu ainda tinha uma longa missão para cumprir… Arranquei e dirigi-me então à igreja que o Paulo tinha dito, entrei e aquele silêncio profundo entrou em mim…Olhei para o local que o Paulo me recomendou e lá estava uma senhora vestida de preto. Sentei-me ao seu lado. O meu corpo voltou a tremer, eu tinha que dizer à senhora que o seu filho Paulo afinal estava vivo e na prisão…A senhora sorriu para mim quando me viu chegar e eu no meio dos nervos retribui…

Eu olhava Cristo na Cruz e perguntava-Lhe porque tudo tinha que ser assim tão difícil, tão penoso, mas ao mesmo tempo recuei…Deixa lá…Que posso eu dizer-Te de coisas difíceis e penosas que Tu não saibas? Ajuda o Paulo…e dá-me uma mãozinha, porque eu não sei como vou sair desta com a mãe do Paulo…

A Missa começou, há imenso tempo que eu não ia à Missa, mas fez-me bem, acalmei-me e no final já sabia tudo o que tinha a fazer…Pedi à mãe do Paulo que ficasse, eu precisava de falar-lhe…

- Desculpe, mas seu precisava muito falar com a senhora, será que me pode dispensar uns minutinhos? Gostava que fosse aqui dentro da igreja…

- Claro, filha, eu tenho todo  o tempo do mundo…

Ficámos em silêncio, até que as pessoas saíssem, depois comecei…

- Chama-se Maria não chama?

- Sim, mas como sabes?

- É uma longa história…Sabe, eu sou amiga do Paulo…

- Ah! Foste amiga do Paulo? Ele era uma jóia de menino, mas as companhias estragaram-no e para não nos envergonhar matou-se…Uma tristeza, eu queria mil vezes ser envergonhada…

- Maria…Não entendeu bem o que disse…

- Então filha? Ai! A minha cabeça já não dá nada, isto do Paulo acabou comigo…

- Olhe e se o Paulo estivesse vivo? Ficava contente?

- Ele vive, querida, junto do Pai!

Ai, meu Deus! Isto estava cada vez mais difícil…Ìamos passar ali o dia nesta conversa de surdos…

- Maria! O Paulo é meu amigo!

- É teu amigo?

- Tenha calma por favor…Sim! O Paulo é meu amigo e está vivo!

Maria abraçou-me com toda a sua força…

- Tens a certeza, filha? Onde está o Paulo que eu também o quero abraçar?

- Maria, sabe o que o Paulo fez, sim?

- Sei sim, o Paulo está preso, é isso?

Abanei com a cabeça que sim…

E Maria mais uma vez me abraçou, enquanto ia agradecendo a Deus, depois continuou…

- E quando ele foi preso?

- Há poucos minutos, fui eu que o deixei lá a pedido dele…

- Então tenho que ir para casa avisar o meu marido, isto vai ser um escândalo, mas ainda bem, porque vou poder abraçar de novo o meu querido filho. Obrigado por tudo, voltaremos a falar-nos!

- Maria saiu, levava com ela a vida, a esperança!

- E eu finalmente serenei em mim as emoções...Sentia-me exausta, mas estava a sentir-me tão bem ali na igreja que acabei por ficar um longo tempo…Queria estar ali apenas, não queira pensar no que ia fazer a seguir...

domingo, 1 de agosto de 2010

As revelações...[4]


O Paulo abeirou-se do lava-loiças para lavar as chávenas do pequeno-almoço e eu fui tentar descobrir algo. Voltei passado uns instantes carregada de luvas, cachecóis, gorros. O Paulo ria:
- Ahaha! Onde vais com tudo isso? Vais agasalhar metade do mundo?
- Não! Tudo isto é para nós, vamos brincar para a neve!
- A sério?
- Sim! Mas temos que nos agasalhar bem não vamos correr o risco de ficarmos doentes…
- Espera, não é prudente irmos…Podem ver-me e ainda mais contigo,não te quero complicar a vida…
- Que ideia tonta, depois de vestirmos isto tudo ninguém nos reconhecerá e depois olha, gosto de arriscar!
E rimos, enquanto íamos vestindo os agasalhos…
Lá fora, o sol tinha ido embora, o nevoeiro adensava-se e um longo tapete branco cobria tudo, era lindo demais, ao fundo o mar parecia serenar todo este cenário deslumbrante…
E fomos para a neve! Atiramos bolas, fizemos bonecos de neve, rimos, rebolamos na neve, parecíamos crianças, até que cansados de tanta azáfama, paramos um pouco…E o Paulo ia dizendo:
- Que bom que nevou, não me lembro de alguma vez ter nevado na praia, nunca me lembro de ter visto este quadro maravilhoso, e sei que só aconteceu porque tu vieste e eu te encontrei, sei que se aproxima um momento muito sério na minha vida mas pela primeira vez não tenho medo;
e depois levarei comigo estes momentos que hão-de perdurar para todo o sempre em mim, ainda que nunca mais saia da prisão, serei feliz para sempre!
- Ainda bem que perdeste o medo! E, sim, ainda bem que nevou, se não tivesse nevado não nos teríamos divertido assim!
E…toma lá mais uma bola de neve ahahaha! E mais uma corrida!!!
De repente noto que está alguém batendo à porta de casa e chamando…
- Ficas aqui! Eu vou ver o que se passa.
Aproximei-me e vi que era um pescador, trazia um peixe enorme…
- Yara! Então menina, como tens passado? E os paizinhos também vieram?
- Olá Sr.José! Está tudo bem, os meus pais não vieram, mas ficaram bem, peço desculpa de não ter ido a sua casa, mas só cheguei ontem à noite e hoje com este nevão, fui ficando por aqui…
- Pois, fazes bem! Já vi que vieste com o namorado! Depois passas lá em casa com ele, quero conhece-lo!
- Namorado? Não, que ideia, é apenas um amigo que veio comigo, deveria seguir viagem esta manhã, mas por causa da neve…
- Ai amigo, pronto está bem! Agora mudam os nomes às coisas e “tásse bem” como vocês dizem!
- Ó Sr.José! ahahaha! Isso nem parece seu, então se fosse meu namorado eu dizia.
- Pronto está bem! Olha, se calhar nem têm o que comer, trouxe-vos este peixe, escolhi o maior, está fresquinho! E se precisares de alguma coisa é só dizeres, está bem? Vá, dá cá um abraço daqueles!!!
Abracei o Sr. José com todo o carinho, e com uma vontade de rir imensa, por causa dos pensamentos dele!
- Passarei lá em casa assim que o tempo o permita, tenho ali umas coisinhas para vocês! Abraço à Dª Esmeralda também!
E assim nos despedimos. Quando vi que o Sr.José já não me podia ouvir, desatei a rir à gargalhada, até que o Paulo me ouviu e veio ter comigo:
- Então? Que se passa, estás bem?
- Sim, muito bem! Não se nota! Estes pescadores contam umas anedotas muito engraçadas! Mas, olha já temos almoço!
E mostrava-lhe o peixe que parecia sorrir para nós!

Depois de tudo arrumado, o Paulo ficou na sala e eu fui para o meu quarto, precisava de estar sozinha, precisava de me entender, vesti o casaco e abri a janela, para melhor ouvir o mar, para me deixar preencher por ele e por aquele manto branco. Fiquei ali, sentada no parapeito da janela imenso tempo. 
Eu tinha um criminoso em casa, disso não havia dúvida, mas era um criminoso que tinha um coração tão doce, quanto o de uma criança…Que mal ele teria feito? Eu sentia-me frágil, como é que eu podia ir com ele à polícia, como é que ele ia aguentar ficar preso? Eu chorava, achava tudo uma grande injustiça, apetecia-me dizer ao Paulo para fugir…Sim! Não! Ai meu Deus ajuda-me a ser forte! Tentei não pensar em nada, ficar ali apenas…Acabei por adormecer e quando acordei se houvesse sol, possivelmente ele já teria ido embora…

Desci, O Paulo estava sentado no chão junto à lareira, chorava…
Quando me viu, disse:
- Choro de alegria! Por este dia! Não tenho medo! E isso é fantástico!
Eu sorri…Para não chorar
O jantar foi algo simples, leite, torradas e iogurtes.

Findo o jantar sentámo-nos junto à lareira e eu arrisquei:
- Paulo, afinal qual foi o crime que cometeste? Se achas que podes e queres dizer…
- Claro que posso, ainda não tinhas perguntado, pensava que me ias perguntar logo no início, mas tu, fazes tudo ao contrário dos outros…
- Ahahah! E…Isso é uma crítica ou um elogio? Bom, adiante…
- Pois, o crime de que sou acusado refere-se a assaltos, a carros, casas, se queres saber nunca roubei nada…Era mesmo pelo gosto de destruir, sei que foi mau, muito mau, mas quando somos novos parece que temos que ser donos do mundo e depois quando queremos recuar é tarde, é sempre tarde… 
Há um ano que deixei a casa dos meus pais, e olha que eu até vivia bem, falta-me um ano para acabar o meu curso, o meu pai é advogado…Imagina a vergonha que ele passou, ele e a minha família, por isso lavei tudo com sangue…
- O quê????
- Calma, o lavar com sangue foi encenar a minha morte, deixei uma longa carta escrita, explicando tudo o que estava a acontecer, e que não tinha cara para aparecer, por isso ia-me suicidar, mas de um modo que eles nunca encontrariam o meu corpo por mais que o procurassem, etc, etc…
- Fizeste isso? É horrível? Fizeste mal em “lavar com sangue”, isso não se faz, e de certeza que os teus pais te preferem preso do que morto!
- É verdade, tens toda a razão, mas só hoje cheguei a essa conclusão…Olha, quero-te pedir um favor enorme…
- Sim…Se eu puder…
- Podes ser tu a dar a notícia à minha mãe? Para o choque não ser tão grande quando sair nos jornais…Eu não posso ir lá agora…A minha mãe morria do coração se eu aparecesse, é melhor saber quando eu já estiver na prisão…
- Ai menino! Tu pedes-me cada coisa! Mas, sim, eu farei isso!
- Obrigado Yara, um dia recompensarei-te!
- Deixa-te disso, o que faço é porque quero e porque posso, não espero nada.
- Eu vou escrever uma carta à minha mãe, ela merece, mas primeiro terás que falar com ela, com cuidado, como tu sabes…
- Está bem! Tens aí papel e caneta e deixo-te por agora.

O Paulo ficou a escrever e eu fui esticar-me um pouco, tudo se estava a encaminhar para o seu desfecho tudo me custava cada vez mais, mas tinha que ser…
Deixei passar um bom bocado, horas possivelmente e fui novamente ter com o Paulo, que já tinha terminado e estendeu-me duas folhas dobradas e separadas, enquanto dizia:
- Esta é para a minha mãe, e esta é para ti, mas peço-te que só a leias quando eu já não estiver aqui, pode ser?
- Tudo bem! Vou guarda-las! Está descansado, tudo se passará segundo as tuas instruções!
- Agora vou pedir-te outra coisa, não procures a minha mãe em casa, procura-a na igreja, ela vai lá todos os dias, eu tenho ficado a vê-la de longe… Olhas para mim e não terás dificuldade em reconhece-la, chama-se Maria.

Igreja? Há tanto tempo que não entrava numa igreja, costumava ficar com Ele em qualquer sítio, mas pronto faria o que o Paulo me pedia…
- Está descansado, farei tudo como me pedes!
- Agora vou alertar-te para uma situação, eu vim aqui passar uns dias, não sei quantos, os necessários para pôr a minha cabeça e as minhas forças em ordem, enquanto por aqui ficar, visitarei-te na prisão, mas quando voltar para casa, estarei presente de outro modo, certo?
- Sim! Claro, eu sei isso, não te preocupes!
Entreguei-lhe um livro…
- Leva este livro contigo, ajudar-te-á…verás aqui dor e felicidade, amor e amor!
Porque na prisão vais ter dias de dor e de muita infelicidade, mas se amares e amares, suportarás tudo, nunca te esqueças disso.
- Não esquecerei……Que lindo……conheces? Que paisagem linda…Onde fica?
- Tem calma, essas e outras perguntas irás descobrir aqui, tens muito tempo…
- Obrigado Yara! Não, Obrigado é pouco…és um anjo!
- Por favor, pára com essas coisas, só tento ser justa mais nada. E agora dá-me um abraço, que simbolizará a nossa despedida e a força que quero que tenhas para enfrentar tudo!


Demos um abraço, apetecia-me chorar, mas sorri e disse ao Paulo:
– Força, Força, vai correr tudo bem e voltaremos a encontrar-nos aqui para comemorar!

O presente [3]

Yara, Yara…
Alguém me chamava…de longe, muito longe…
Acordei…Onde estava? Sentei-me na cama e de repente os acontecimentos da noite anterior começaram a desfilar diante de mim…e atrás da porta, mais uma vez… Yara, Yara…
Levantei-me fui abrir e lá estava o Paulo, mas um outro Paulo…com um olhar diferente, parece que os seus olhos brilhavam com uma intensidade que ofuscava…
- Desculpa, acordar-te…mas, o sol já nasceu…e nem sabes o que aconteceu… abre a janela…vai ver…
Corri para a janela e abri…eu não queria acreditar no que os meus olhos viam…lá foram um tapete branco cobria todo o areal…tinha nevado, possivelmente a noite toda e eu que quase não tinha dormindo nem tinha dado conta…
- Que lindo! Adoro neve, que surpresa boa! - Exclamei
- Também eu …acredito que este seja um presente para mim, logo hoje que tenho que partir…
- Espera, deixa-me acordar, tive uma ideia…já te explico…
- Já acendi a lareira e vou preparar o pequeno-almoço.
- Calma, vou procurar-te uma muda de roupa, para tomares banho, deve haver por aqui algures…
E peça a peça a roupa lá ia aparecendo, consegui tudo e ainda um bom agasalho, o Paulo sorriu quando viu o monte de roupa que eu tinha conseguido! Enquanto ele tomava banho eu ia arrumando o meu quarto e maquinando o meu plano.
O Paulo apareceu com a “roupa nova” e foi então preparar o pequeno-almoço enquanto eu me preparava. Tomamos o pequeno-almoço em silêncio, como se já estivesse tudo dito e nada mais houvesse para dizer, mas não era isso, o Paulo ia-se “despedindo” e eu arranjando coragem para lhe explicar o meu plano, sentia o tempo a passar e de vez em quando cruzávamos o olhar, mas cada um de nós estava entregue aos seus pensamentos e ninguém ousava falar, até que foi o Paulo que arriscou…
- Yara, agradeço-te tudo do fundo do coração, nunca esquecerei estes momentos, nem aquilo que eles representaram para mim, mas agora sei que é hora de partir…
- Espera, há bocado disseste que a neve era um presente para ti, por outro lado está tudo cheio de neve, apesar de estar sol ainda demorará algum tempo até que derreta, o carro está mergulhado na neve, até à cidade ainda são alguns quilómetros e com este frio seria horrível fazermos o caminho a pé, ainda mais que eu depois teria que voltar sozinha, sei que devias partir, aliás já devias ter partido há muito tempo, em casa não temos muita comida, mas um dia também se passa de qualquer maneira, há leite, iogurtes, pão e bolachas… e se fossemos desembrulhar o presente?
Paulo levantou-se, como que não acreditando nas minhas palavras…
- Falas a sério? Achas que pode ser?
- Claro que sim! Um dia não fará diferença!!!