terça-feira, 28 de setembro de 2010

Em paz... [38]

Aquela primeira noite em Londres teve para mim um perfume incomparável. Da varanda do meu quarto fiquei horas perdida em mim, contemplando aquele mar de luz que se estendia ante os meus olhos. Eu estava serena, embalada numa paz que me apaziguava. De vez em quando vinha-me á lembrança, o Paulo, o Jorge, e outras lembranças, que ali perdiam rapidamente a cor. Eu estava ali e parecia que era proibido qualquer inquietação…


E com a noite veio o dia. E uma alegria com sabor a paz pairava no ar. Prontifiquei-me para acompanhar o Miguel até ao sítio onde ia decorrer a exposição. Ele não queria, mas eu fiz questão. E com foi bom voltar de novo a percorrer as ruas da maravilhosa Londres. Os seus monumentos impecavelmente conservados, os autocarros vermelhos, os táxis pretos... Esta cidade inspira-me!

Chegados á galeria, senti-me inundar por todas aquelas telas…O Miguel eram de facto um grande artista. Ajudei-o a pendurar algumas obras, mas depois achei que aquele momento era dele. Certamente queria ficar a só. Por isso expliquei-lhe que aproveitava para dar umas voltas.



E fui. Caminhando sozinha, rostos anónimos perdidos na multidão que passava agitada, rostos pesados e eu sentia-me mais leve que nunca. Desprendida de tudo. Caminhei muito tempo, sem rumo, deixando-me ir, embalada pela brisa que corria e me afagava os cabelos e me lembrava o meu mar…


E a noite foi caindo… Jantamos com os pais do Miguel. Um jantar ameno, de família. Mas a determinada altura Betty fez uma revelação:
- Sabes Miguel…ainda não te tinha dito…A Maggie voltou há uns meses…sozinha. Veio falar comigo, pedir desculpa e disse-me que ainda te ama…
 O Miguel ficou pálido, mas com ar determinado arriscou:
- A vida tem dessas coisas mãe… Mas a Maggie não faz parte dos meus planos. Tenho planos maiores para mim!
Olhamos uns para os outros, com alguma admiração… E eu, no fundo de mim, sorri…O Miguel estava pelo menos a tentar…

quarta-feira, 22 de setembro de 2010

A Chegada... [37]

No aeroporto estavam os pais do Miguel à nossa espera. Aquele reencontro com o filho foi algo tão emotivo que era impossível alguém não se emocionar... Tanta saudade naqueles corações...Eu deixei-me estar sossegada, como se tivesse saído de cena. Depois de todos os abraços, de todas as lágrimas, o Miguel arrisca:
- Yara! Anda cá amiga!
E eu fui...
As apresentações e a primeira impressão...Achei os pais do Miguel muito simples e muito simpáticos, o seu pai chamava-se Joaquim, deveria ter cinquenta e tais e a mãe era nitidamente inglesa, pele muito clara, cabelo loiro e um olhar da cor do meu mar, de seu nome Betty.


O entardecer ia aos poucos cobrindo de dourado toda a paisagem...E o Big Ben imponente! Já tinha estado em Londres várias vezes, mas desta vez era diferente, havia a sensação de ter estado e não ter estado, quase em simultâneo; sensação que muito me acompanhava depois do coma...

E mergulhamos no estonteante transito da cidade de Londres... E eu quase até inconscientemente ia pensando que iam ser uns dias muito agitados...mas, eis que de repente a multidão de pessoas e de carros foi-se esfumando no ar...e a calma, uma calma até excessiva, diria começou a a entrar em mim...Pequenos edifícios, ruas estreitas, e pequenos becos, e...

- Yara! Chegamos...É ali!!


Eu sorri...Enquanto os últimos raios de sol iam beijando o prédio de janelas abertas que se abeirava de mim, e da calma e tranquilidade que sentia...

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A caminho de Londres …[36]







O avião partiu pelas 17h. Com chegada prevista a Londres pelas 19:15h. O Miguel estava apreensivo, embora já não estivesse triste. Havia um misto de ansiedade e contrariedade nele, mas os seus olhos brilhavam e isso era bom.

- Miguel! Conta-me tudo. Como foi isso da exposição?
- Ah! O meu amigo Jim trabalha no   meio. Foi fácil. Já podia ter acontecido há mais tempo, eu é que não quis.
- Então?
- Não estava preparado. Agora estou. Nestes cinco anos evolui imenso. E agora tenho uma boa obra. A primeira exposição tem que ser muito cuidada, vai estar toda a gente na expectativa.
 - E os quadros?
 - Já foram há duas semanas. Desculpa não te ter dito nada antes, mas andavas tão atarefada…
 - Não tem mal Miguel. Fico muito contente. Espero que tudo corra conforme perspectivaste, tu mereces.
- Ai, Yara. A minha vida é complicada.
- Não digas isso Miguel. A vida tem complicações. Todas as vidas de todas as pessoas. Umas de uma forma, outras de outra, acredita. Mas, tu és jovem, tens a vida pela frente. Tens que te libertar do que te prende. Mas, tens que ser tua a fazer isso! Ninguém o pode fazer por ti.
- Isso é uma grande verdade. E eu quero libertar-me, mas não consigo…
- Errado! Não podes nunca pensar que não podes realizar algo. Isso é muito derrotista, mesmo que aches que não vais conseguir, tens que afirmar sempre para ti próprio que és capaz. Miguel! Isto é básico…
- Sim! Mas, não posso mandar no coração…
- Que ideia tonta…Que ideia fraca…Desculpa…Mas, assim não consegues…
 - Ok! Yara! Tu és demais! Pronto…EU VOU CONSEGUIR!
 - Boa! 
 - Sabes, apesar de tudo...Das minhas hesitações... Hoje sinto-me bem mais forte. Possivelmente vou encontrar a Maggie na exposição…Ela também é pintora. Estudamos juntos e pintamos imensos quadros juntos…Verdadeiras obras-primas, mas não te preocupes. A Nossa conversa da noite passada fez-me ver imensas coisas que eu sozinho não conseguiria ver e cheguei à conclusão de que de facto o meu caminho não deve ser por aí… Quero descobrir um novo caminho!
- Boa, Miguel! É assim mesmo!! Agora o mais importante é a tua exposição, tens que te concentrar nela.
- Sim! Esta primeira semana é para preparar tudo. Ver se os quadros chegaram em bom estado e dar alguns retoques, se necessário…
- Gosto de te ver assim entusiasmado!! Eu ajudo-te em tudo o que necessitares…
- Não! Tu vais descansar e passear. Não tens que fazer nada.
- Humm! Veremos, Miguel!! Outra coisa, chegados a Londres, eu vou procurar um hotel para ficar…
- Nem penses Yara. A minha família sabe que tu vais comigo e estão á nossa espera. Por isso já sabes!
- Eu não quero incomodar Miguel…Mas farei como tu disseres, só quero que estejas feliz!
-Que bom Yara! Gosto dessa tua entrega, não questionas muito as coisas, deixas que elas vão acontecendo, essa tua confiança dá-me alento, acredita!
- Que ideia…E o facto de questionar e de nos preocuparmos com as coisas, altera alguma coisa no desenrolar delas?
- Não…
- Então pronto, não é necessário estarmos a preocupar-nos com que vai acontecer a seguir, deixamos que as coisas aconteçam e depois se necessário é que nos preocupamos, boa?
E rimos! De facto o Miguel hoje estava completamente diferente. Eu estava segura que tudo ia correr pelo melhor. E o avião preparava-se para aterrar. Estávamos em Londres!




domingo, 19 de setembro de 2010

A história do Miguel...[35]

E os dias daquela semana passaram a correr. Foram contactos com clientes, avisando de que ia estar fora, agendado reuniões, colocando trabalhos em agenda.
E claro um telefonema para os meus pais…
 - Mãe, vou estar fora uns dias.
 - Então? Trabalho?
 - Vou a Londres com o Miguel.
 - Com o Miguel? O pintor?
 - Sim. Esse mesmo.
 - Eu não te entendo filha…O Miguel é muito mais jovem que tu…
 - Calma, mãe. Eu não tenho nenhum caso com o Miguel, não é por aí. Mas, se tivesse, não sei onde estava o problema?
 - Pronto, não te zangues.
 - Ai, ai! Que paciência, é preciso!
E acabamos as duas a rir!
O meu pai, ficou feliz com a minha viagem:
 - Vai, filha, descansa e aproveita tudo muito bem! Diverte-te!
Fui ainda avisar a Dª Esmeralda e o Sr.José, os pescadores…
- Ai, filha, obrigado por nos vires avisar. Olha, jantas connosco, está bem?
E adiantava dizer que não…
 - Claro que sim!
A Dª Esmeralda era uma mulher simples, como eu, afinal. Tinha idade para ser minha avó, possivelmente e desde pequenina que sempre me tratou com esse afecto e proximidade de avó. Por isso não havia cerimónias…
- Yara! Não tenho nada de especial para o jantar. É sopa de peixe.
- Ó Dª Esmeralda, está óptimo! Não se preocupe.

Era noite, o mar entoava a sua canção e eu fiz o caminho até casa à beira-mar. Sentia-me bem. Serena. Com todas estas correrias quase nem havia tempo de pensar, por isso fui andado e parando, deixando-me ficar perto do meu mar. Ele que me conhecia, ele que me protegia, ele que sabia dos meus sentimentos mais pequeninos e dos grandes também. Sentei-me na areia. Estava fresco, e fiquei por ali muito tempo meditando em tudo. Revendo toda a minha vida, sem saber muito bem o que se ia passar dali para a frente. Recordei o Jorge. E se ele estivesse ali a meu lado, acho que lhe batia tanto, tanto… Até ele entender um monte de coisas. Depois ria-me dos meus pensamentos.
Veio-me à memória o Paulo. Ele estava quase a sair da prisão…Possivelmente depois do verão, pelos meus cálculos. Eu sentia-me um bocado, assim como mãe do Paulo, mas noutra prespectiva…Pois, porque por mais que eu imagine, não sei o que é ser mãe, mas hei-de ser um dia, prometia eu, ao meu mar… E ria-me e chorava, sozinha…
Até que, ao virar-me vejo o Miguel junto a mim…
- Yara, não te assustes. Peço desculpa por te interromper, mas fiquei vendo-te da minha casa e ficaste aqui tanto tempo que já estava preocupado…
 - Ó Miguel, não interrompes nada. Sabes, gosto muito de falar com ele…
 - Com o teu mar?
 - Sim!
 O Miguel esboçou um sorriso. Mas estava triste, senti isso nele…
 - Olha, vamos até casa beber um cafezinho, que achas?
 - Pode ser Yara, se tiveres tempo. Realmente hoje preciso mesmo de alguém para conversar um pouco.
 - Ah! Então vamos!
Preparei os cafés. O Miguel estava nitidamente apreensivo com algo. Tinha até dificuldade em olhar-me directamente…
 - Então Miguel…Hoje não foi um dia bom?
 - Isto é complicado Yara…Voltar a Londres…
 - É?
 - Muito. Já não vou a Londres há uns cinco anos. Saí de lá completamente desnorteado.
E os olhos do Miguel encheram-se de lágrimas. Aproximei-me dele…
 - Desabafa, Miguel, que se passou?


 - Namorava com uma miúda há já bastante tempo. Fazíamos planos para o nosso casamento e um dia ela partiu com outro homem. Foi muito duro. Eu gostava muito dela. Deixei tudo. Os meus pais. A minha família. Os meus amigos e vim refugiar-me aqui, na casa da praia, que era dos meus avós. O meu pai é português, a minha mãe é que é inglesa. Até tu chegares vivi aqui meio isolado. Pintava e pinto durante o inverno e no verão vendo os meus quadros. Nestes cinco anos nunca falei com ninguém, só e apenas as coisas básicas, acredita, Yara…
Eu estava realmente sem palavras. Não podia imaginar que o Miguel, com olhar de menino, guardava no seu coração uma dor tão grande. Que poderia eu dizer-lhe…Arrisquei…
 - Sabes, Miguel. Quando as pessoas se afastam de nós é porque não nos merecem. Acredita nisso. Tens algo muito melhor á tua espera… O amor, as amarras, não são coisa boa, eu sei do que falo. Também eu já sofri muito. Mas não sofro mais. Há algo muito melhor que me espera, pode ser já. Pode ser daqui a um ano, ou dois, ou dez. E eu espero com alegria e sabedoria. Esforça-te por fazer o mesmo. E por favor não te isoles, nem guardes as dores só para ti…
O Miguel sorriu por entre as lágrimas que deixava cair. E eu abracei-o fortemente, como se abraça um menino que tem medo.
- Obrigado Yara. Agora sinto-me muito melhor. E obrigado também por teres aceite ir comigo a Londres, nem imaginas o quanto isso é importante para mim.
 - Não tens nada que agradecer. Eu é que agradeço. Preciso de espairecer também! Vá e agora toca a descansar que amanhã partimos, verdade
 - Sim Yara!!
Despedimo-nos. O Miguel ia mais aliviado e eu senti-me bem por o poder ajudar de alguma forma. Amanha à tarde rumávamos a Londres!

sábado, 18 de setembro de 2010

Despedidas... [34]



Dentro de cinco dias partia para Londres com o Miguel. Ele ficou de tratar das passagens, porque eu tinha imensa coisa para tratar. Algumas resolveria com um simples telefonema, mas noutros casos, era necessário ir, estar com as pessoas.

Por isso no primeiro dia fui à prisão, tinha de estar com o Paulo. As minhas visitas à prisão eram muito constantes, por ali toda a gente me conhecia, e eu acabava por me sentir ali bem, por estranho que pareça. O Paulo estava bem, muito dedicado aos estudos, estava quase a concluir o último ano de medicina. O seu comportamento tinha sido exemplar, não devia tardar muito e sairia da prisão, ainda que em liberdade condicional. Quando chegou perto de mim, os seus olhos sorriram antes dele, deu-me um abraço enorme e ia dizendo… “saudades tuas…”
 - Paulo, estive aqui a semana passada…
- Eu sei, mas, tinha saudades, que queres?
 - Olha, vou sair uns dias…
- Ah! Vais a casa dos papás…
- Não. Vou a Londres.
- Trabalho?
- Não, Paulinho. Vou passear. Vou divertir-me…
- Sozinha?
- Também não. Vou com o Miguel. Ele convidou-me.
Paulo ficou triste nesse momento, senti no seu olhar, na expressão do seu corpo. Queria falar, mas não falava, ia engolindo em seco…
- Então, Paulo? Eu volto, está descansado. Quando estiveres em liberdade também vou passear contigo, prometo!
- Prometes? E onde queres ir?
Eu ri. Parece que era coisa para já.
- Então, tu é que me convidas, tu é que sabes onde queres ir!
E rimos os dois! Mas, Paulo voltou ao que o entristeceu…
- Mas…Porquê o Miguel?
- O Miguel, por nada, somos amigos e ele convidou-me. E, mais nada, ok?
- Desculpa Yara. Não tenho nada que estar com cobranças. Desculpa.
- Tudo bem! Parto na próxima sexta-feira e estarei fora duas semanas.
- Está bem Yara! Sabes que te adoro… Espero por ti aqui, não irei a lado nenhum.
- Ok, Paulinho! Agora tenho que ir, mas ainda nos falamos, sim?
- Sim, claro, eu ligo-te. Entretanto vou estar ocupadíssimo com os estudos, está quase Yara! Ah! Quando voltares tens que reunir com o Rodrigo, o meu advogado, ele tem tudo pronto para assinares e tens que começar a trabalhar no assunto…
- Está bem, Paulinho! Veremos isso quando eu voltar.
- Ah! Não me esquecerei da tua promessa…
- Promessa?
 - Sim, do passeio comigo…
- Tu és demais! Está bem, iremos passear e tu escolhes o destino!
Saí da prisão tranquila, o Paulo apesar dos ciúmes (infundados) estava bem. Iríamos passear sim, isso era o mínimo, custa-me imenso vê-lo ali, mas agora tem que ser…
Dirigi-me de imediato para casa do Paulo. O Álvaro já se encontrava em casa, apesar de preso a cadeira de rodas. Estive com eles, com o Álvaro e com a Maria. A debilidade do Álvaro tinha fortalecido a relação deles, é pena que as relações dependam destas coisas, mas o Álvaro agora já não era o prepotente, o senhor de tudo e de todos e Maria, a doce Maria, sempre pronta para servir o seu senhor…
Falei-lhes da visita ao Paulo e da minha ida a Londres:
 - Vai Yara! E descansa, trabalhas demais… - Dizia-me Maria
Bebemos um café… recusei (gentilmente) o convite para almoçar, pois tinha imensas coisas para fazer. Eles entenderam. Despediram-se de mim, como se eu fosse a filha deles. Tanta ternura, enternecia-me!
Próxima paragem… Igreja. Parei ali nem sei bem porquê. Mas, já que tinha parado, ia entrar. Possivelmente o padre António nem estava por lá. Mas, quando entrei ele encaminhava-se para a saída e feliz de me encontrar:
 - Yara! Por aqui? Há imenso tempo que não te via. Que tens feito? Olha anda almoçar comigo, que hoje não tenho companhia.
- Ah! Não quero incomodar.
 - Mas, não incomodas nada. Vamos aqui em frente.



E fomos. O almoço decorreu muito bem. Rimos, conversamos e a determinada altura, o António olhou fixamente para mim e:
 - Yara! Sabes que o Paulo te ama? Sabes isso?
- Mais ou menos, mas porquê?
- E tu, o que sentes por ele? Diz-me, podes?
 - Sim! Claro! Sou amiga do Paulo, nada mais, então?
- Gostava de vos casar. O Paulo gosta muito de ti. Acho que ia dar certo…
- António, por favor…Não me conheces. Eu não quero nada com o amor… o amor não é coisa boa; eu sei o que digo.
 - Não digas isso, então?
- Digo, sim! Porque é a verdade!
- Então, se é verdade…Nós somos pela verdade, certo?
Pela verdade! Contra ventos e marés. Contra tudo…Mas, sempre pela verdade. Eu, Yara fugitiva do amor e amante da verdade...

O tempo...[33]


O tempo não pára mesmo que dentro de nós às vezes pareça não avançar. Não suporto quando as pessoas fogem, e o Jorge estava nitidamente a fugir…Mais uma vez. A esfumar-se na atmosfera. Para onde teria ido? Dentro de mim isso fazia-me confusão, muita confusão…Sempre, ao longo da minha vida soube separar e gerir as minhas emoções, os meus sentimentos e nunca tive necessidade de cortar um relacionamento com ninguém, mas o Jorge disse que não podia ser meu amigo porque me amava…Mas, eu também não podia modificar os outros, só a mim, e mesmo a mim, só como tentativa. Tinha no entanto a certeza de que o amor de há tantos anos passados estava morto e isso alegrava-me, pois o meu coração não suporta essas amarras doentias do amor, ou do que chamam amor…






Agarrei-me afincadamente ao trabalho, como habitualmente, mas desta vez, como escape. Não tinha mãos nem cabeça a medir, estava constantemente ocupada, o que era óptimo, assim não tinha tempo para pensar e também porque não queria, não valia a pena. O Jorge tinha deixado de existir, e era isso que no meu coração eu ia alimentando, apesar de não concordar. Mas, quem sou eu para concordar com o que vai no coração e na cabeça dos outros? Sou e quero continuar a ser muito pequenina.
E foi numa dessas tardes de trabalho que bateram à porta, uma pancada leve, parecia de menino… E eu fui abrir… era o Miguel, há tanto tempo que não nos víamos e ele reclamou:
- Yara! Que é feito de ti, já nem vais ver “o teu mar”…
- …
As palavras não me saíam… “o teu mar”…pareceu-me uma recordação distante, e eu podia vê-lo da janela…
- Que se passa Yara? Estás bem?
 - Estou…Mais ou menos…Mas, entra.
- Não. Tu é que vais sair!
- Vou?
- Sim. Preparei um piquenique!
Eu esbocei um sorriso. Tão querido o Miguel. Sempre atento. E fomos para junto do “meu mar”. Eu não queria, o meu coração não queria, mas a verdade é que eu estava frágil, e diante do “meu mar” eu sentia-me ainda mais frágil. Mas, também sabia que seria ali que poderia ficar mais forte. E entreguei-me sem medo á presença do mar e com alegria ao piquenique que o Miguel tinha preparado. Foi um momento que me fez muito bem, descontrai, ri e sentia-me bem.  
A determinada altura o Miguel quis explicar o porquê do piquenique…
 - Yara, este piquenique é uma forma de te dizer que gosto muito de ti. És uma grande amiga! Foi também a forma que encontrei para te dizer até já…
- Também vais embora?
- Vou. Mas, volto!
- Ah! Ainda bem…
- Pois, Yara, o verão está a chegar e vou para Londres, visitar a minha família…
- O quê??? Verão...já?
- Calma, Yara, está quase, mas ainda falta um tempinho, no entanto vou agora, porque durante o verão não posso ir, fico por cá, é na altura que ganho algum dinheiro. E também porque consegui uma exposição por lá...
- Ah!, Pois, compreendo...
Tinha-me isolado e mergulhado a fundo no trabalho que nem tinha dado pelo tempo a passar, e o verão estava à porta, e eu noutra galáxia…Era altura de voltar à terra … E olhava o vasto areal deserto, que em breve ia ser inundado por todos os veraneantes....
Eu olhava fixamente o mar, procurando nem eu sei bem o quê, e o Miguel interpela-me:
 - Yara! E se viesses comigo?
Ir com o Miguel a Londres... Acho que nem pensei muito bem, a resposta veio prontamente:
 - Boa! Vou contigo!!
o Miguel abraçou-me, muito contente e eu também fiquei...Rimos e delineamos a partida...

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

No Aerorporto... [32]



Acordei...tinha adormecido no meio do meu choro, E...tinha sonhado, um sonho estranho, que comecei a analisar e quanto mais o analisava, mais começava a fazer sentido. Por isso num ímpeto levantei-me e corri para casa. Peguei numa mala e coloquei dentro três mudas de roupa, peguei a chave do carro e sai, voltei ainda atrás buscar um casaco. Não podia perder nem mais um segundo, nem podia parar para pensar, senão desistia de tudo..
Conduzi que nem uma louca.É verdade. A alta velocidade, ultrapassando tudo e todos, mas tinha que ser...O Jorge ia para África e eu ia com ele...Ia realizar o meu sonho junto do homem que me amava...
Chegando ao aeroporto, estacionei o carro e fui entrando...Foi nessa altura que mil pensamentos vieram até mim... O Paulo, os meus pais, o meu trabalho, o projecto do Paulo e a promessa. Fiquei desarmada, não podia...Também não tinha passagem, eu estava completamente doida. Sentei-me para organizar as ideias. Permaneci quieta, sossegada em mim, tentando meditar em tudo calmamente. E quando me preparava para abandonar o aeroporto avisto o Jorge que entrava- Ele também me viu...e corremos um para o outro:
- Onde vais???
Enquanto lhe tirava a passagem que ele tinha na mão...

- E tu que fazes aqui? vens comigo?


Mas antes que eu pudesse responder...Agarrou-me, e envolveu-me num abraço muito forte, como se o mundo fosse acabar, de seguida beijou-me e eu deixei-me ir. Foi nessa altura que senti a verdade das suas palavras e do seu amor. Mas, o meu amor...Onde estava? Já tinha partido e eu serenei. Queria dizer-lhe que restava a amizade, mas conhecendo-o como eu o conhecia, não adiantava. Por isso libertei-me do beijo, coloquei-lhe nas mãos a passagem, agarrei nas minhas coisas e corri, corri porque não aguentava vê-lo partir, corri porque ele só queria o amor e eu do amor só queria fugir...
 
Quando já estava bem longe do aeroporto, parei. Chovia imenso e eu nem sabia muito bem situar-me. Procurei um sítio para me abrigar da chuva e ali fiquei imenso tempo, como que anestesiada com toda a situação. O Jorge tinha ido embora, e eu nem sabia para onde. Um adeus definitivo, bem ao estilo dele, mas não ao meu. No entanto essa era a verdade que passava a acompanhar-me. Mesmo sabendo que nada é definitivo...

Porquê? [31]



O tempo foi passando, e eu sentia-me cada vez mais forte. Tinha retomado o meu trabalho e andava nesta altura completamente absorvida nele, embora houvesse espaço para as visitas á prisão. O Paulo estava bem, sentia isso nas suas palavras seguras, no seu olhar calmo e no seu coração, que era da cor do céu! Eu estava prestes a tomar uma decisão em relação á proposta do Paulo acerca dos bens, já me tinha reunido algumas vezes com o seu advogado, o Rafael, e ele tinha-me aconselhado a seguir em frente, pelo Paulo. No entanto eu não queria assumir as coisas, sozinha, por isso ia arquitectando as minhas ideias. O Álvaro continuava no hospital ao fim de dois meses. Visitava-o também com alguma regularidade e também ele sempre me pedia para fazer a vontade ao Paulo…

Tudo caminhava normalmente. O Miguel, o pintor, ajudou-me imenso nos primeiros tempos, nomeadamente com a condução, na qual não me sentia muito á vontade, pois fiquei imenso tempo com visão dupla, ou como os médicos lhe chamavam diplopia, o que era um caos para conduzir. Nesta altura já não tenho e estou cada vez mais independente e dona de mim, o que me agrada imenso.

Numa dessas manhãs enquanto eu estava absorta no trabalho, recebo um telefonema inesperado, era o Jorge.

 - Yara Bom dia!
 - Bom dia Jorge, como vais?
 - Vou embora.
 - Sim? Assim de repente? Porquê?
 - Não, não foi de repente. Já se passou algum tempo e vejo que tu hoje tens outros projectos para ti, e eu não consigo ficar a teu lado fingindo que sou o teu amigo e que não se passa nada…
 - Mas, que conversa é esta?
 - Ainda te amo. Não te consegui esquecer. Por isso parto, não me perguntes para onde…
 - E vamo-nos falar?
 - Não, Yara…é um adeus definitivo. Adeus…
E desligou…

Fiquei com o telemóvel nas mãos…Fiquei muda…Fiquei transtornada… Porque é que tudo tem que ser tão radical? Era a segunda vez que o Manuel partia. Que se afastava de mim…
Como é que era possível que ele mantivesse aquele amor?
Não tinha resposta para tanta pergunta que ia em mim. Não tinha solução para nada. Tinha o Jorgel por um amigo e ele não podia ser meu amigo porque me amava…



Encaminhei-me para o meu mar e ali me sentei a chorar, deitei-me na areia que me acolhia e penso que adormeci...

O primeiro passeio... [30]


Já havia passado a semana de repouso absoluto, tinha cumprido, por incrível que pareça. Eu tinha conseguido estar em repouso absoluto. Mas dentro de mim habitava uma fera, que precisava de movimento, de adrenalina, embora fragilizada sentia já essas ânsias.
O Paulo ligava todos os dias, nem sempre falávamos porque muita vez eu estava a descansar. Era grande a preocupação dele. Sentia-o animado com os estudos e isso era muito bom. Os meus pais deviam estar quase a partir, mas eu ainda não me sentia bem para ficar sozinha, no entanto os dias iam passando e ninguém tocava nesse assunto, mas eu também sabia que eles tinham a vida deles e que mais dia menos dia teriam que partir.

Numa dessas manhãs, iguais a tantas outras, enquanto tomávamos o pequeno-almoço alguém bate á porta. É giro quando não há campainha e as pessoas batem com a sua própria mão, e nós ficamos adivinhando a batida...Quem será? Ao mesmo tempo levantamo-nos os três, e rimos, no entanto eu disse que quem ia abrir, era eu, estava na altura de começar a retomar a vida normal e isso começava assim com pequenas coisas, como ir abrir a porta. Fui, não sem antes a pessoa que estava no outro lado voltar a bater…
 - Estou indo, gritei!
Antes que a pessoa desesperasse com a demora… Abri, era o Jorge. Ele abraçou-me, novamente com uma força excessiva e novamente beijou-me na testa com carinho enquanto ia dizendo:
 - Estou a ver que já estás fina!
 - Sim, estou melhor. Isto vai devagar…
 - Claro, para quem esteve a morrer, agora tem o tempo todo do mundo, não é maravilhoso?
 - Pois é… Mas, entra, estamos a tomar o pequeno-almoço.
 - Ah! Então cheguei e boa altura!
E rimos!
O Jorge juntou-se a nós, já tinha tomado o pequeno-almoço, mas lá ia petiscando disto e daquilo. Quando terminei, ele levantou-se e foi logo perguntando pelos medicamentos…
 - Onde estão os medicamentos?
 - Ah! Vens em serviço? Está descansado que aqui não falha nada!
E mais uma vez rimos todos á gargalhada, enquanto o Jorge explicava…
 - Não venho em serviço, mas isto já faz parte de mim, não é por mal…
Claro que todos sabíamos isso.
 - Hoje vou levar-te a passear, estás sem cor, precisas de sol e de movimento.
 - Passear…Não. Ainda não estou preparada.
 - Tem calma menina. Não vamos para nenhum safari. Vamos só até lá fora. Tenho a certeza que ainda não passaste além do alpendre.
 - Como é que sabes?
 - Vejo nos teus olhos. Vá, toca a despachar.
Senti em mim uma grande alegria, sim, apetecia-me ir lá abaixo, sentir de mais perto o meu mar, estar com ele, ouvi-lo mais de perto, que bom que o Jorge se tinha lembrado. Preferia ir sozinha, mas ainda não estava em condições de o fazer. Por isso agradecia a  boleia…
- Que bom, fico contente!
- Eu também fico, filha. Aproveita que eu trato do almoço. O enfermeiro Jorge almoça connosco.
- Com muito gosto!



-


Saímos então. Estava frio, e o sol queria espreitar por entre a neblina. Fomos andando devagarinho e conversando, de vez enquanto parávamos, sentávamo-nos á beira-mar. Tudo era calma, e o silêncio apenas era perturbando pelo som do mar e das nossas palavras, que iam e vinham ao som das ondas. O Jorge também quis que eu lhe relatasse a experiência do coma. Ficou fascinado com tudo o que eu lhe contava. Olhava-me fixamente nos olhos como que bebendo as minhas palavras, e o azul do seu olhar, ali ao pé do mar ficava ainda mais azul, mais lindo. Nenhuma palavra sobre o passado e isso era magnifico, estávamos unidos pela amizade, e eu sentia-me imensamente feliz.

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

Recuperando...[29]

Tinha-se passado apenas duas semanas desde que tinha deixado pela última vez a casa da praia, no entanto parecia-me que se tinham passado anos. Olhava tudo a meu redor como se fosse novo, inesperado e no entanto tão familiar. Mas eu agora era outra pessoa, uma pessoa que sobreviveu, era como se a partir de agora tudo tivesse que ser feito ainda muito melhor do que até aqui. Eu tinha uma grande responsabilidade e sentia-me muito pequenina.



Subi para o meu quarto depois do almoço, tinha-me deliciado com o peixe que os pescadores haviam trazido e pela primeira bebi café, que saudades! Aquele cheirinho despertava até os meus neurónios mais adormecidos. Sentia-me cansada, precisava de descansar um pouco, mas antes fiquei ali um bom bocado contemplando o meu mar que parecia querer falar-me, dizer-me coisas que eu não sabia, avisar-me de perigos, quem sabe? Estava frio, por isso fechei a janela e deitei-me, mas não tinha sono, fiquei pensando no que iria fazer a seguir. O trabalho, o Paulo… E agora o Jorge. Parece que nas nossas vidas ou não se passa nada de especial durante anos ou se passa tudo ao mesmo tempo e era isso que me estava a acontecer agora. Um turbilhão de acontecimentos, e eu fragilizada. Revi os acontecimentos com o Paulo e do fundo da minha memória revisitei tudo o que aconteceu com o Jorge, e adormeci rendida pelo cansaço.

Aquela semana passou rapidamente, dia a dia eu ia-me sentindo mais forte, as dores foram indo embora, o meu rosto foi passando por todas as mutações que tinha que passar e neste momento os hematomas estavam amarelados e as cicatrizes bem vincadas, mas pouco a pouco fui-me habituando. Havia no entanto algo diferente nos meus olhos, algo que não conseguia explicar, uma sensação de paz, de completa tranquilidade…
Nessa noite a minha mãe veio avisar que eu tinha um convidado para o jantar:

 - Yara! Quando quiseres descer, desce, tens visita…
 - Visita? Quem é?
 - Surpresa!
Que coisa, porque é que não dizem logo as coisas e vão adiando…
Desci de imediato. Era o Padre António…
 - Yara! Como vais? Desculpa não ter vindo antes, mas quando estamos muito frágeis devemos ficar com a família, depois é que é para os de fora.
 - Tudo bem António, és bem-vindo. Jantas connosco, sim?
 - Sim, os teus pais já convidaram e eu também já aceitei!
O jantar decorreu num clima ameno de conversa, rimos e sentia-me bem.
Mas, o António queria falar comigo, senti isso desde que ele chegou. E no final do jantar…
 - Yara, gostava de falar contigo, se não estiveres muito cansada.
 - Claro que não António, podemos ir para a sala.


 - Sabes Yara, gostava imenso de saber da tua experiência de coma, queres falar?
 - Claro António, é estranho porque és a primeira pessoa, para além dos médicos, que quer falar comigo sobre isso e já se passou alguns dias…
 - E como foi?
 - Foi algo inexplicável, é difícil encontrar as palavras certas, mas vou tentar…
Eu estava desperta, eu conseguia ouvir tudo aquilo que diziam do outro lado…
 - Outro lado?
 - Sim, havia como que uma barreira a separar-me de onde eu estava. Eu senti claramente a separação do meu corpo, que estava como que morto e da minha alma, era uma separação que eu sentia, e no corredor onde me encontrava, uma luz muito forte pintava de branco as paredes e eu sentia-me invadida por uma paz imensa, e um silêncio tão profundo que não pensei que pudesse existir, eu não devia dizer isto, mas para ti digo, sem medo… Foi tão bom, tão lindo ter estado lá…
 - Que lindo tudo o que me contas, obrigado Yara. Quero que saibas que Lhe pedi muito para te trazer de volta.
 - Obrigado António…E Ele trouxe!
 - Quero pedir-te uma coisa… Não abandones nunca o Paulo e pensa bem em tudo o que ele te pede; aceita sem medos.
 - Sim António, eu não vou abandonar o Paulo, já quanto ao que ele me pede, é muita responsabilidade, mas pensarei no assunto e farei o que for melhor para todos. No entanto tenho também o meu trabalho, do qual gosto muito, enfim, veremos o que se pode fazer. Preciso de pensar muito na minha vida, esta é como se fosse uma segunda oportunidade.
 - Sem dúvida, aproveita-a bem, menina! Agora vou, tu também precisas de descansar. Posso voltar?
 - Claro que sim , quando quiseres!
E despedimo-nos.
 O António era muito meigo, atencioso, tinha um olhar de menino. Mais um amigo  que entrava para a minha vida.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Saudades...[28]

Chegando a casa fui recebida pelos pescadores, havia cartazes e uma surpresa...
 - Yara!!Bem vinda a casa! Já chegou o nosso barco que tem o teu nome, é lindo, assim que estejas melhor tens que ir vê-lo  - ia dizendo o Sr. Francisco
Eu sorria e dei-lhe um abraço enorme. Adorava aquela gente, eram tão simples quanto eu.
Trouxeram peixe e muitos sorrisos!!


Que saudades do meu mar, que saudades do meu alpendre e da minha liberdade...Que por enquanto ainda ia ser "condicionada", mas, era o possível e quanto a isso não haveria volta a dar. Os meus pais ficariam comigo, tínhamos combinado que seria apenas uma semana.
Quis ficar um pouco no alpendre a respirar aquele ar limpo, suave, que me fortalecia. E a ouvir o meu mar, precisava de estar ali, tinha acontecido tanta coisa que a minha cabeça nem conseguia processar tudo. Precisava de tempo, e de silêncio... Recordei o meu silêncio, o silêncio de luz, o silêncio branco, o silêncio de paz. Tinha estado em coma e isso mostrou-me nitidamente que eu tinha um corpo e uma alma, e que eles se separam, tinha sido uma experiência fantástica, apesar de todo o incómodo que estava a sentir, mas, a verdade é que tinha gostado muito de ter estado no outro lado, no entanto sabia que para bem da minha integridade psíquica não poderia dizer a ninguém que tinha gostado de estar em coma... E ri com vontade, já há tanto tempo que não ria. A minha mãe ouviu e veio ver o que se passava...

- Yara! Que alegria, estás a rir? Que foi?
- Nada de especial...Estou viva, verdade?
Essa era a verdade. E a realidade que mais importava naquele momento. Tudo o resto podia esperar. Eu estava viva e o mundo podia continuar a contar comigo, tinha tido umas férias inesperadas, e assim sendo ia aproveitar para continuar a descansar...

terça-feira, 14 de setembro de 2010

De saída...[27]

Finalmente chegou o dia de sair do hospital.

eu ainda estava débil, mas já ficaria bem em casa, de repouso absoluto pelo menos durante uma semana. Foi essa a indicação do médico. Depois devagarinho e aos poucos retomar a vida normal. Mas antes de sair, veio alguém falar comigo, era uma jovem simpática, trazia na mão um espelho, foi a primeira coisa que vi. Pediu a todos para saírem, queria ficar a sós comigo. E assim foi.Esticou-me a mão e disse que era a Drª Sílvia, psicóloga. Mas, eu adiantei-me a ela...
- Ah! Muito bem Drª vem dizer-me que o meu rosto esta completamente desfigurado, mas que isso pouco importa, o que importa é o que vai no coração etc etc etc...Eu sei isso!
- Calma Yara! O teu rosto está um pouco maltratado, e sei que ainda não o viste, mas agora vais vê-lo, e o que vires agora não é o que verás daqui a uma semana, ou daqui a um mês, tu sabes isso!
 - Sim eu sei. Os hematomas vão mudando de cor, nesta altura imagino que estejam roxos...por aí, daqui a uma semana já estarão amarelados e depois desaparecem, já as cicatrizes...
 - Muito bem, Yara! Já as cicatrizes...pois, poderás fazer uma plástica daqui a uns anos se achares necessário.. Estás então preparada, verdade?
 - Sim, Drª vamos lá então!

A Drª Sílvia colocou o espelho em frente a mim. Eu olhei. Era horrível, sim era horrível... Mas não chorei fui forte, olhei no fundo dos meus olhos e vi neles uma paz imensa.E sorri enquanto baixava o espelho...
 - Está feito Drª...Daqui a uma semana estará melhor! Agora só quero sair deste mundo branco e ir ao encontro do meu mar! 
 - Vai lá então Yara! És uma lutadora. O teu nome combina muito bem contigo! Se precisares de alguma coisa já sabes!
 - Agradeço-lhe!
Todos vieram despedir-se. Incluindo o Manuel que prometeu visitar-me! Mas eu não podia deixar o hospital sem ir ver o Álvaro, e fui...

Cheguei perto dele e ele começou a chorar...
 - Minha querida Yara, peço-te imensa desculpa pelo que aconteceu...
 - Mas, Álvaro...foi um acidente, lembraste?
 - Eu sei, eu sei, mas eu não me perdoo. Trata de ti menina e depois não te esqueças do meu Paulo, prometes?
 - Sim, Álvaro fica descansado. Ah! e põe-te bom depressa, tá?
 - Ai, menina...Já não saio daqui vivo...
 - Que ideia! Nada dessas conversas. Vais ficar bom sim!
 - Tu mandas...
Despedimo-nos e encaminhei-me para a saída. Ia finalmente deixar aquele mundo branco, aquele cheiro que me transtornava as ideias. Lá fora o sol de inverno dava um ar da sua graça, e eu nem o conseguia suportar nos olhos, mas senti-me aliviada por estar de novo em "liberdade".