Levantei-me ainda era noite, tentei relaxar no banho, mas eu tremia, o meu sistema nervoso estava alterado e esgotado, preparei-me para sair, arrumei o quarto, passei na sala e o Paulo ainda dormia. Saí, a neve ia derretendo, a temperatura tinha subido bastante, e o céu estrelado anunciava um dia de sol, sentei-me lá fora, tentando que o meu mar me serenasse, fechando os olhos e respirando fundo, deixando que aquele cheiro a mar me invadisse, e pouco a pouco ia vendo o sol a furar por entre a escuridão, devagar, sem pressa, e eu fui ficando amortecida, calma, sentia-me de novo, eu..YARA!
Entrei. O Paulo já tinha acordado e acendia a lareira:
- Bom dia! Preparado?
- Sim sócia! Vamos tratar do assunto, sinto-me mais forte que nunca, vai correr tudo bem!
- Óptimo é bom ver-te assim! Vá pequeno-almoço, banho e toca a andar!
- Ok! Chefe!
E era hora de partir…Paulo emocionava-se e ia dizendo:
- Desculpa, mas agora tenho que chorar, nunca pensei que a minha vida se resolvesse aqui…na “minha” casa, mas ainda bem que assim foi…Posso dizer-te uma coisa com carinho e muito respeito?
- Sim, claro! Podes dizer o que quiseres…
- Adoro-te.
- Eu também gosto muito do teu coração! Vá mas agora vamos, sabes que tem que ser!
E saímos, o percurso até à cidade foi um longo silêncio, salpicado de muitas lágrimas… Havia pouco trânsito, ainda era muito cedo, e íamo-nos aproximando… até que Paulo…
- Yara! Escuta uma coisa, não podes entrar comigo, deixa-me do outro lado da rua e vai ter com a minha mãe, ela costuma ir à Missa das 9 horas, tens que a apanhar lá, isto vai ser um escândalo, vai meter tudo ao barulho, jornais, revistas, televisão, como te disse o meu pai é alguém muito conhecido na cidade… E não quero que a minha mãe saiba por estes meios, mas por ti, por favor faz o que te peço, sei que pensavas entrar comigo, mas não pode ser, por favor!
De facto eu pensava entrar com o Paulo…
- Está bem, darei então a volta ao quarteirão e vou depressa ter com a tua mãe, fica descansado, chegarei lá antes das 9 horas…
Parei então o carro…Rabisquei o meu número de telemóvel num cartão e entreguei ao Paulo:
- Este é o meu nº, penso que anda desligado no fundo de um saco, hei-de procura-lo quando chegar a casa, quando puderes dá notícias, se não deres, é porque não podes. Eu fico descansada na mesma, peço-te que te portes à altura, isso tu já sabes, agora vai, sê forte!
- Adeus Yara, até breve!
E deu-me um beijo na testa.
Vi-o partir… Agora era eu que tinha que chorar, atravessou a rua e antes de entrar disse-me adeus…
Estava feito. Mas eu ainda tinha uma longa missão para cumprir… Arranquei e dirigi-me então à igreja que o Paulo tinha dito, entrei e aquele silêncio profundo entrou em mim…Olhei para o local que o Paulo me recomendou e lá estava uma senhora vestida de preto. Sentei-me ao seu lado. O meu corpo voltou a tremer, eu tinha que dizer à senhora que o seu filho Paulo afinal estava vivo e na prisão…A senhora sorriu para mim quando me viu chegar e eu no meio dos nervos retribui…
Eu olhava Cristo na Cruz e perguntava-Lhe porque tudo tinha que ser assim tão difícil, tão penoso, mas ao mesmo tempo recuei…Deixa lá…Que posso eu dizer-Te de coisas difíceis e penosas que Tu não saibas? Ajuda o Paulo…e dá-me uma mãozinha, porque eu não sei como vou sair desta com a mãe do Paulo…
A Missa começou, há imenso tempo que eu não ia à Missa, mas fez-me bem, acalmei-me e no final já sabia tudo o que tinha a fazer…Pedi à mãe do Paulo que ficasse, eu precisava de falar-lhe…
- Desculpe, mas seu precisava muito falar com a senhora, será que me pode dispensar uns minutinhos? Gostava que fosse aqui dentro da igreja…
- Claro, filha, eu tenho todo o tempo do mundo…
Ficámos em silêncio, até que as pessoas saíssem, depois comecei…
- Chama-se Maria não chama?
- Sim, mas como sabes?
- É uma longa história…Sabe, eu sou amiga do Paulo…
- Ah! Foste amiga do Paulo? Ele era uma jóia de menino, mas as companhias estragaram-no e para não nos envergonhar matou-se…Uma tristeza, eu queria mil vezes ser envergonhada…
- Maria…Não entendeu bem o que disse…
- Então filha? Ai! A minha cabeça já não dá nada, isto do Paulo acabou comigo…
- Olhe e se o Paulo estivesse vivo? Ficava contente?
- Ele vive, querida, junto do Pai!
Ai, meu Deus! Isto estava cada vez mais difícil…Ìamos passar ali o dia nesta conversa de surdos…
- Maria! O Paulo é meu amigo!
- É teu amigo?
- Tenha calma por favor…Sim! O Paulo é meu amigo e está vivo!
Maria abraçou-me com toda a sua força…
- Tens a certeza, filha? Onde está o Paulo que eu também o quero abraçar?
- Maria, sabe o que o Paulo fez, sim?
- Sei sim, o Paulo está preso, é isso?
Abanei com a cabeça que sim…
E Maria mais uma vez me abraçou, enquanto ia agradecendo a Deus, depois continuou…
- E quando ele foi preso?
- Há poucos minutos, fui eu que o deixei lá a pedido dele…
- Então tenho que ir para casa avisar o meu marido, isto vai ser um escândalo, mas ainda bem, porque vou poder abraçar de novo o meu querido filho. Obrigado por tudo, voltaremos a falar-nos!
- Maria saiu, levava com ela a vida, a esperança!
- E eu finalmente serenei em mim as emoções...Sentia-me exausta, mas estava a sentir-me tão bem ali na igreja que acabei por ficar um longo tempo…Queria estar ali apenas, não queira pensar no que ia fazer a seguir...
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