domingo, 1 de agosto de 2010

As revelações...[4]


O Paulo abeirou-se do lava-loiças para lavar as chávenas do pequeno-almoço e eu fui tentar descobrir algo. Voltei passado uns instantes carregada de luvas, cachecóis, gorros. O Paulo ria:
- Ahaha! Onde vais com tudo isso? Vais agasalhar metade do mundo?
- Não! Tudo isto é para nós, vamos brincar para a neve!
- A sério?
- Sim! Mas temos que nos agasalhar bem não vamos correr o risco de ficarmos doentes…
- Espera, não é prudente irmos…Podem ver-me e ainda mais contigo,não te quero complicar a vida…
- Que ideia tonta, depois de vestirmos isto tudo ninguém nos reconhecerá e depois olha, gosto de arriscar!
E rimos, enquanto íamos vestindo os agasalhos…
Lá fora, o sol tinha ido embora, o nevoeiro adensava-se e um longo tapete branco cobria tudo, era lindo demais, ao fundo o mar parecia serenar todo este cenário deslumbrante…
E fomos para a neve! Atiramos bolas, fizemos bonecos de neve, rimos, rebolamos na neve, parecíamos crianças, até que cansados de tanta azáfama, paramos um pouco…E o Paulo ia dizendo:
- Que bom que nevou, não me lembro de alguma vez ter nevado na praia, nunca me lembro de ter visto este quadro maravilhoso, e sei que só aconteceu porque tu vieste e eu te encontrei, sei que se aproxima um momento muito sério na minha vida mas pela primeira vez não tenho medo;
e depois levarei comigo estes momentos que hão-de perdurar para todo o sempre em mim, ainda que nunca mais saia da prisão, serei feliz para sempre!
- Ainda bem que perdeste o medo! E, sim, ainda bem que nevou, se não tivesse nevado não nos teríamos divertido assim!
E…toma lá mais uma bola de neve ahahaha! E mais uma corrida!!!
De repente noto que está alguém batendo à porta de casa e chamando…
- Ficas aqui! Eu vou ver o que se passa.
Aproximei-me e vi que era um pescador, trazia um peixe enorme…
- Yara! Então menina, como tens passado? E os paizinhos também vieram?
- Olá Sr.José! Está tudo bem, os meus pais não vieram, mas ficaram bem, peço desculpa de não ter ido a sua casa, mas só cheguei ontem à noite e hoje com este nevão, fui ficando por aqui…
- Pois, fazes bem! Já vi que vieste com o namorado! Depois passas lá em casa com ele, quero conhece-lo!
- Namorado? Não, que ideia, é apenas um amigo que veio comigo, deveria seguir viagem esta manhã, mas por causa da neve…
- Ai amigo, pronto está bem! Agora mudam os nomes às coisas e “tásse bem” como vocês dizem!
- Ó Sr.José! ahahaha! Isso nem parece seu, então se fosse meu namorado eu dizia.
- Pronto está bem! Olha, se calhar nem têm o que comer, trouxe-vos este peixe, escolhi o maior, está fresquinho! E se precisares de alguma coisa é só dizeres, está bem? Vá, dá cá um abraço daqueles!!!
Abracei o Sr. José com todo o carinho, e com uma vontade de rir imensa, por causa dos pensamentos dele!
- Passarei lá em casa assim que o tempo o permita, tenho ali umas coisinhas para vocês! Abraço à Dª Esmeralda também!
E assim nos despedimos. Quando vi que o Sr.José já não me podia ouvir, desatei a rir à gargalhada, até que o Paulo me ouviu e veio ter comigo:
- Então? Que se passa, estás bem?
- Sim, muito bem! Não se nota! Estes pescadores contam umas anedotas muito engraçadas! Mas, olha já temos almoço!
E mostrava-lhe o peixe que parecia sorrir para nós!

Depois de tudo arrumado, o Paulo ficou na sala e eu fui para o meu quarto, precisava de estar sozinha, precisava de me entender, vesti o casaco e abri a janela, para melhor ouvir o mar, para me deixar preencher por ele e por aquele manto branco. Fiquei ali, sentada no parapeito da janela imenso tempo. 
Eu tinha um criminoso em casa, disso não havia dúvida, mas era um criminoso que tinha um coração tão doce, quanto o de uma criança…Que mal ele teria feito? Eu sentia-me frágil, como é que eu podia ir com ele à polícia, como é que ele ia aguentar ficar preso? Eu chorava, achava tudo uma grande injustiça, apetecia-me dizer ao Paulo para fugir…Sim! Não! Ai meu Deus ajuda-me a ser forte! Tentei não pensar em nada, ficar ali apenas…Acabei por adormecer e quando acordei se houvesse sol, possivelmente ele já teria ido embora…

Desci, O Paulo estava sentado no chão junto à lareira, chorava…
Quando me viu, disse:
- Choro de alegria! Por este dia! Não tenho medo! E isso é fantástico!
Eu sorri…Para não chorar
O jantar foi algo simples, leite, torradas e iogurtes.

Findo o jantar sentámo-nos junto à lareira e eu arrisquei:
- Paulo, afinal qual foi o crime que cometeste? Se achas que podes e queres dizer…
- Claro que posso, ainda não tinhas perguntado, pensava que me ias perguntar logo no início, mas tu, fazes tudo ao contrário dos outros…
- Ahahah! E…Isso é uma crítica ou um elogio? Bom, adiante…
- Pois, o crime de que sou acusado refere-se a assaltos, a carros, casas, se queres saber nunca roubei nada…Era mesmo pelo gosto de destruir, sei que foi mau, muito mau, mas quando somos novos parece que temos que ser donos do mundo e depois quando queremos recuar é tarde, é sempre tarde… 
Há um ano que deixei a casa dos meus pais, e olha que eu até vivia bem, falta-me um ano para acabar o meu curso, o meu pai é advogado…Imagina a vergonha que ele passou, ele e a minha família, por isso lavei tudo com sangue…
- O quê????
- Calma, o lavar com sangue foi encenar a minha morte, deixei uma longa carta escrita, explicando tudo o que estava a acontecer, e que não tinha cara para aparecer, por isso ia-me suicidar, mas de um modo que eles nunca encontrariam o meu corpo por mais que o procurassem, etc, etc…
- Fizeste isso? É horrível? Fizeste mal em “lavar com sangue”, isso não se faz, e de certeza que os teus pais te preferem preso do que morto!
- É verdade, tens toda a razão, mas só hoje cheguei a essa conclusão…Olha, quero-te pedir um favor enorme…
- Sim…Se eu puder…
- Podes ser tu a dar a notícia à minha mãe? Para o choque não ser tão grande quando sair nos jornais…Eu não posso ir lá agora…A minha mãe morria do coração se eu aparecesse, é melhor saber quando eu já estiver na prisão…
- Ai menino! Tu pedes-me cada coisa! Mas, sim, eu farei isso!
- Obrigado Yara, um dia recompensarei-te!
- Deixa-te disso, o que faço é porque quero e porque posso, não espero nada.
- Eu vou escrever uma carta à minha mãe, ela merece, mas primeiro terás que falar com ela, com cuidado, como tu sabes…
- Está bem! Tens aí papel e caneta e deixo-te por agora.

O Paulo ficou a escrever e eu fui esticar-me um pouco, tudo se estava a encaminhar para o seu desfecho tudo me custava cada vez mais, mas tinha que ser…
Deixei passar um bom bocado, horas possivelmente e fui novamente ter com o Paulo, que já tinha terminado e estendeu-me duas folhas dobradas e separadas, enquanto dizia:
- Esta é para a minha mãe, e esta é para ti, mas peço-te que só a leias quando eu já não estiver aqui, pode ser?
- Tudo bem! Vou guarda-las! Está descansado, tudo se passará segundo as tuas instruções!
- Agora vou pedir-te outra coisa, não procures a minha mãe em casa, procura-a na igreja, ela vai lá todos os dias, eu tenho ficado a vê-la de longe… Olhas para mim e não terás dificuldade em reconhece-la, chama-se Maria.

Igreja? Há tanto tempo que não entrava numa igreja, costumava ficar com Ele em qualquer sítio, mas pronto faria o que o Paulo me pedia…
- Está descansado, farei tudo como me pedes!
- Agora vou alertar-te para uma situação, eu vim aqui passar uns dias, não sei quantos, os necessários para pôr a minha cabeça e as minhas forças em ordem, enquanto por aqui ficar, visitarei-te na prisão, mas quando voltar para casa, estarei presente de outro modo, certo?
- Sim! Claro, eu sei isso, não te preocupes!
Entreguei-lhe um livro…
- Leva este livro contigo, ajudar-te-á…verás aqui dor e felicidade, amor e amor!
Porque na prisão vais ter dias de dor e de muita infelicidade, mas se amares e amares, suportarás tudo, nunca te esqueças disso.
- Não esquecerei……Que lindo……conheces? Que paisagem linda…Onde fica?
- Tem calma, essas e outras perguntas irás descobrir aqui, tens muito tempo…
- Obrigado Yara! Não, Obrigado é pouco…és um anjo!
- Por favor, pára com essas coisas, só tento ser justa mais nada. E agora dá-me um abraço, que simbolizará a nossa despedida e a força que quero que tenhas para enfrentar tudo!


Demos um abraço, apetecia-me chorar, mas sorri e disse ao Paulo:
– Força, Força, vai correr tudo bem e voltaremos a encontrar-nos aqui para comemorar!

3 comentários:

  1. Hão-de explicar-me essa atracção das mulheres por homens, como direi... marginais!

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  2. Mitro..."atracção das mulheres por homens, como direi... marginais!...OU NÂO!!?? ^-^
    Tens que continuara a ler a história...Isto é apenas o princípio...

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