domingo, 19 de setembro de 2010

A história do Miguel...[35]

E os dias daquela semana passaram a correr. Foram contactos com clientes, avisando de que ia estar fora, agendado reuniões, colocando trabalhos em agenda.
E claro um telefonema para os meus pais…
 - Mãe, vou estar fora uns dias.
 - Então? Trabalho?
 - Vou a Londres com o Miguel.
 - Com o Miguel? O pintor?
 - Sim. Esse mesmo.
 - Eu não te entendo filha…O Miguel é muito mais jovem que tu…
 - Calma, mãe. Eu não tenho nenhum caso com o Miguel, não é por aí. Mas, se tivesse, não sei onde estava o problema?
 - Pronto, não te zangues.
 - Ai, ai! Que paciência, é preciso!
E acabamos as duas a rir!
O meu pai, ficou feliz com a minha viagem:
 - Vai, filha, descansa e aproveita tudo muito bem! Diverte-te!
Fui ainda avisar a Dª Esmeralda e o Sr.José, os pescadores…
- Ai, filha, obrigado por nos vires avisar. Olha, jantas connosco, está bem?
E adiantava dizer que não…
 - Claro que sim!
A Dª Esmeralda era uma mulher simples, como eu, afinal. Tinha idade para ser minha avó, possivelmente e desde pequenina que sempre me tratou com esse afecto e proximidade de avó. Por isso não havia cerimónias…
- Yara! Não tenho nada de especial para o jantar. É sopa de peixe.
- Ó Dª Esmeralda, está óptimo! Não se preocupe.

Era noite, o mar entoava a sua canção e eu fiz o caminho até casa à beira-mar. Sentia-me bem. Serena. Com todas estas correrias quase nem havia tempo de pensar, por isso fui andado e parando, deixando-me ficar perto do meu mar. Ele que me conhecia, ele que me protegia, ele que sabia dos meus sentimentos mais pequeninos e dos grandes também. Sentei-me na areia. Estava fresco, e fiquei por ali muito tempo meditando em tudo. Revendo toda a minha vida, sem saber muito bem o que se ia passar dali para a frente. Recordei o Jorge. E se ele estivesse ali a meu lado, acho que lhe batia tanto, tanto… Até ele entender um monte de coisas. Depois ria-me dos meus pensamentos.
Veio-me à memória o Paulo. Ele estava quase a sair da prisão…Possivelmente depois do verão, pelos meus cálculos. Eu sentia-me um bocado, assim como mãe do Paulo, mas noutra prespectiva…Pois, porque por mais que eu imagine, não sei o que é ser mãe, mas hei-de ser um dia, prometia eu, ao meu mar… E ria-me e chorava, sozinha…
Até que, ao virar-me vejo o Miguel junto a mim…
- Yara, não te assustes. Peço desculpa por te interromper, mas fiquei vendo-te da minha casa e ficaste aqui tanto tempo que já estava preocupado…
 - Ó Miguel, não interrompes nada. Sabes, gosto muito de falar com ele…
 - Com o teu mar?
 - Sim!
 O Miguel esboçou um sorriso. Mas estava triste, senti isso nele…
 - Olha, vamos até casa beber um cafezinho, que achas?
 - Pode ser Yara, se tiveres tempo. Realmente hoje preciso mesmo de alguém para conversar um pouco.
 - Ah! Então vamos!
Preparei os cafés. O Miguel estava nitidamente apreensivo com algo. Tinha até dificuldade em olhar-me directamente…
 - Então Miguel…Hoje não foi um dia bom?
 - Isto é complicado Yara…Voltar a Londres…
 - É?
 - Muito. Já não vou a Londres há uns cinco anos. Saí de lá completamente desnorteado.
E os olhos do Miguel encheram-se de lágrimas. Aproximei-me dele…
 - Desabafa, Miguel, que se passou?


 - Namorava com uma miúda há já bastante tempo. Fazíamos planos para o nosso casamento e um dia ela partiu com outro homem. Foi muito duro. Eu gostava muito dela. Deixei tudo. Os meus pais. A minha família. Os meus amigos e vim refugiar-me aqui, na casa da praia, que era dos meus avós. O meu pai é português, a minha mãe é que é inglesa. Até tu chegares vivi aqui meio isolado. Pintava e pinto durante o inverno e no verão vendo os meus quadros. Nestes cinco anos nunca falei com ninguém, só e apenas as coisas básicas, acredita, Yara…
Eu estava realmente sem palavras. Não podia imaginar que o Miguel, com olhar de menino, guardava no seu coração uma dor tão grande. Que poderia eu dizer-lhe…Arrisquei…
 - Sabes, Miguel. Quando as pessoas se afastam de nós é porque não nos merecem. Acredita nisso. Tens algo muito melhor á tua espera… O amor, as amarras, não são coisa boa, eu sei do que falo. Também eu já sofri muito. Mas não sofro mais. Há algo muito melhor que me espera, pode ser já. Pode ser daqui a um ano, ou dois, ou dez. E eu espero com alegria e sabedoria. Esforça-te por fazer o mesmo. E por favor não te isoles, nem guardes as dores só para ti…
O Miguel sorriu por entre as lágrimas que deixava cair. E eu abracei-o fortemente, como se abraça um menino que tem medo.
- Obrigado Yara. Agora sinto-me muito melhor. E obrigado também por teres aceite ir comigo a Londres, nem imaginas o quanto isso é importante para mim.
 - Não tens nada que agradecer. Eu é que agradeço. Preciso de espairecer também! Vá e agora toca a descansar que amanhã partimos, verdade
 - Sim Yara!!
Despedimo-nos. O Miguel ia mais aliviado e eu senti-me bem por o poder ajudar de alguma forma. Amanha à tarde rumávamos a Londres!

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