sexta-feira, 17 de setembro de 2010

O primeiro passeio... [30]


Já havia passado a semana de repouso absoluto, tinha cumprido, por incrível que pareça. Eu tinha conseguido estar em repouso absoluto. Mas dentro de mim habitava uma fera, que precisava de movimento, de adrenalina, embora fragilizada sentia já essas ânsias.
O Paulo ligava todos os dias, nem sempre falávamos porque muita vez eu estava a descansar. Era grande a preocupação dele. Sentia-o animado com os estudos e isso era muito bom. Os meus pais deviam estar quase a partir, mas eu ainda não me sentia bem para ficar sozinha, no entanto os dias iam passando e ninguém tocava nesse assunto, mas eu também sabia que eles tinham a vida deles e que mais dia menos dia teriam que partir.

Numa dessas manhãs, iguais a tantas outras, enquanto tomávamos o pequeno-almoço alguém bate á porta. É giro quando não há campainha e as pessoas batem com a sua própria mão, e nós ficamos adivinhando a batida...Quem será? Ao mesmo tempo levantamo-nos os três, e rimos, no entanto eu disse que quem ia abrir, era eu, estava na altura de começar a retomar a vida normal e isso começava assim com pequenas coisas, como ir abrir a porta. Fui, não sem antes a pessoa que estava no outro lado voltar a bater…
 - Estou indo, gritei!
Antes que a pessoa desesperasse com a demora… Abri, era o Jorge. Ele abraçou-me, novamente com uma força excessiva e novamente beijou-me na testa com carinho enquanto ia dizendo:
 - Estou a ver que já estás fina!
 - Sim, estou melhor. Isto vai devagar…
 - Claro, para quem esteve a morrer, agora tem o tempo todo do mundo, não é maravilhoso?
 - Pois é… Mas, entra, estamos a tomar o pequeno-almoço.
 - Ah! Então cheguei e boa altura!
E rimos!
O Jorge juntou-se a nós, já tinha tomado o pequeno-almoço, mas lá ia petiscando disto e daquilo. Quando terminei, ele levantou-se e foi logo perguntando pelos medicamentos…
 - Onde estão os medicamentos?
 - Ah! Vens em serviço? Está descansado que aqui não falha nada!
E mais uma vez rimos todos á gargalhada, enquanto o Jorge explicava…
 - Não venho em serviço, mas isto já faz parte de mim, não é por mal…
Claro que todos sabíamos isso.
 - Hoje vou levar-te a passear, estás sem cor, precisas de sol e de movimento.
 - Passear…Não. Ainda não estou preparada.
 - Tem calma menina. Não vamos para nenhum safari. Vamos só até lá fora. Tenho a certeza que ainda não passaste além do alpendre.
 - Como é que sabes?
 - Vejo nos teus olhos. Vá, toca a despachar.
Senti em mim uma grande alegria, sim, apetecia-me ir lá abaixo, sentir de mais perto o meu mar, estar com ele, ouvi-lo mais de perto, que bom que o Jorge se tinha lembrado. Preferia ir sozinha, mas ainda não estava em condições de o fazer. Por isso agradecia a  boleia…
- Que bom, fico contente!
- Eu também fico, filha. Aproveita que eu trato do almoço. O enfermeiro Jorge almoça connosco.
- Com muito gosto!



-


Saímos então. Estava frio, e o sol queria espreitar por entre a neblina. Fomos andando devagarinho e conversando, de vez enquanto parávamos, sentávamo-nos á beira-mar. Tudo era calma, e o silêncio apenas era perturbando pelo som do mar e das nossas palavras, que iam e vinham ao som das ondas. O Jorge também quis que eu lhe relatasse a experiência do coma. Ficou fascinado com tudo o que eu lhe contava. Olhava-me fixamente nos olhos como que bebendo as minhas palavras, e o azul do seu olhar, ali ao pé do mar ficava ainda mais azul, mais lindo. Nenhuma palavra sobre o passado e isso era magnifico, estávamos unidos pela amizade, e eu sentia-me imensamente feliz.

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