Tinha-se passado apenas duas semanas desde que tinha deixado pela última vez a casa da praia, no entanto parecia-me que se tinham passado anos. Olhava tudo a meu redor como se fosse novo, inesperado e no entanto tão familiar. Mas eu agora era outra pessoa, uma pessoa que sobreviveu, era como se a partir de agora tudo tivesse que ser feito ainda muito melhor do que até aqui. Eu tinha uma grande responsabilidade e sentia-me muito pequenina.
Subi para o meu quarto depois do almoço, tinha-me deliciado com o peixe que os pescadores haviam trazido e pela primeira bebi café, que saudades! Aquele cheirinho despertava até os meus neurónios mais adormecidos. Sentia-me cansada, precisava de descansar um pouco, mas antes fiquei ali um bom bocado contemplando o meu mar que parecia querer falar-me, dizer-me coisas que eu não sabia, avisar-me de perigos, quem sabe? Estava frio, por isso fechei a janela e deitei-me, mas não tinha sono, fiquei pensando no que iria fazer a seguir. O trabalho, o Paulo… E agora o Jorge. Parece que nas nossas vidas ou não se passa nada de especial durante anos ou se passa tudo ao mesmo tempo e era isso que me estava a acontecer agora. Um turbilhão de acontecimentos, e eu fragilizada. Revi os acontecimentos com o Paulo e do fundo da minha memória revisitei tudo o que aconteceu com o Jorge, e adormeci rendida pelo cansaço.
Aquela semana passou rapidamente, dia a dia eu ia-me sentindo mais forte, as dores foram indo embora, o meu rosto foi passando por todas as mutações que tinha que passar e neste momento os hematomas estavam amarelados e as cicatrizes bem vincadas, mas pouco a pouco fui-me habituando. Havia no entanto algo diferente nos meus olhos, algo que não conseguia explicar, uma sensação de paz, de completa tranquilidade…
Nessa noite a minha mãe veio avisar que eu tinha um convidado para o jantar:
- Yara! Quando quiseres descer, desce, tens visita…
- Visita? Quem é?
- Surpresa!
Que coisa, porque é que não dizem logo as coisas e vão adiando…
Desci de imediato. Era o Padre António…
- Yara! Como vais? Desculpa não ter vindo antes, mas quando estamos muito frágeis devemos ficar com a família, depois é que é para os de fora.
- Tudo bem António, és bem-vindo. Jantas connosco, sim?
- Sim, os teus pais já convidaram e eu também já aceitei!
O jantar decorreu num clima ameno de conversa, rimos e sentia-me bem.
Mas, o António queria falar comigo, senti isso desde que ele chegou. E no final do jantar…
- Yara, gostava de falar contigo, se não estiveres muito cansada.
- Claro que não António, podemos ir para a sala.
- Sabes Yara, gostava imenso de saber da tua experiência de coma, queres falar?
- Claro António, é estranho porque és a primeira pessoa, para além dos médicos, que quer falar comigo sobre isso e já se passou alguns dias…
- E como foi?
- Foi algo inexplicável, é difícil encontrar as palavras certas, mas vou tentar…
Eu estava desperta, eu conseguia ouvir tudo aquilo que diziam do outro lado…
- Outro lado?
- Sim, havia como que uma barreira a separar-me de onde eu estava. Eu senti claramente a separação do meu corpo, que estava como que morto e da minha alma, era uma separação que eu sentia, e no corredor onde me encontrava, uma luz muito forte pintava de branco as paredes e eu sentia-me invadida por uma paz imensa, e um silêncio tão profundo que não pensei que pudesse existir, eu não devia dizer isto, mas para ti digo, sem medo… Foi tão bom, tão lindo ter estado lá…
- Que lindo tudo o que me contas, obrigado Yara. Quero que saibas que Lhe pedi muito para te trazer de volta.
- Obrigado António…E Ele trouxe!
- Quero pedir-te uma coisa… Não abandones nunca o Paulo e pensa bem em tudo o que ele te pede; aceita sem medos.
- Sim António, eu não vou abandonar o Paulo, já quanto ao que ele me pede, é muita responsabilidade, mas pensarei no assunto e farei o que for melhor para todos. No entanto tenho também o meu trabalho, do qual gosto muito, enfim, veremos o que se pode fazer. Preciso de pensar muito na minha vida, esta é como se fosse uma segunda oportunidade.
- Sem dúvida, aproveita-a bem, menina! Agora vou, tu também precisas de descansar. Posso voltar?
- Claro que sim , quando quiseres!
E despedimo-nos.
O António era muito meigo, atencioso, tinha um olhar de menino. Mais um amigo que entrava para a minha vida.
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