sexta-feira, 3 de setembro de 2010

O padre António [20]





Sai da prisão e dirigi-me para a igreja, iria procurar o padre António, talvez ele me conseguisse ajudar a demover o Paulo das suas ideias loucas...
Entrei na igreja, não havia ninguém, apesar de já ali ter estado, naquele dia em que fui levar o Paulo à prisão, tudo me parecia novo. Dirigi-me para o lugar que tinha ocupado na outra vez e lá estava Cristo, parece que Ele era o único que me era familiar. Por ali fiquei entregue às minhas dúvidas, aos meus pensamentos vagueantes, e fui conversando com Ele, explicando -Lhe que não entendia nada da minha vida, mas que me deixaria ir, contando com que Ele me fosse guiando. O sol já tinha ido embora, podia ver a noite que vinha vindo através dos vitrais da igreja; mas, eu não tinha pressa, sentia-me bem ali, mergulhado no silêncio e fui-me deixando ficar, até que uma voz quase silenciosa me chama:
- Yara...
Levantei os olhos, era o António.
- Olá, padre António, como vai?
- Bem e tu? Por cá?
- Está tudo bem. Precisava imenso falar consigo.
- Contigo...
- Pronto, está bem, contigo




Reparei, pela primeira vez que de facto o António era jovem, tinha um olhar que falava, que acalmava… estranho, como na outra vez nem reparei em nada...
- Então, o que se passa?
- Soube hoje que és amigo do Paulo.
- Ah! Sim! Somos muito amigos, estive com o Paulo na prisão e falamos imenso de ti...
- De mim?
- Sim...de ti. Fiquei muito contente por teres sido tu a mostrares o caminho ao Paulo, não podia imaginar, és de facto alguém de muita fé, não tens medo e isso é maravilhoso.
- Não tenho medo? Tenho muita fé? Porque é que dizes isso? Eu sou igual a todas as pessoas, tenho os meus momentos.
- Vejo que não são só momentos, mas sim algo muito mais profundo. Vives, sem pensar muito no que vai acontecer a seguir, a isso chama-se entrega, abandono nas mãos do Pai.
- Ah! Isso é verdade, porque não adianta escrever planos, os nossos planos de nada servem.
- Tens razão. Mas, disseste que precisavas imenso falar comigo, que se passa?
- É verdade.
Expliquei ao António as ideias peregrinas do Paulo, sobre os bens da avó Filipa ...
- Eu não posso permitir isso. Tem que haver uma solução...
- Entendo o teu ponto de vista. Mas, talvez não haja solução, sabes, o Paulo poderia simplesmente fazer doação e acabava o problema, mas a vontade da avó Filipa não era essa, porque se fosse, ela mesma poderia ter doado ao orfanato em vida, orfanato que hoje já nem existe, ela queria que o Paulo fosse o protagonista da obra, e o Paulo já te falou dos planos dele quando terminar o seu curso?
- Não.
- Ah! Está bem, então ele irá falar-te sobre isso certamente e aí vais entender tudo, mas agora é importante que te deixes ir, que continues entregando-te, sem questionares muito as coisas, acredita em mim, faz o que o Paulo te pede.
- Não posso...
- Porquê?
- Porque é muita responsabilidade da parte do Paulo estar a entregar algo tão importante a alguém que ele mal conhece, e isso virá dar razão ao Álvaro, e eu não estou de modo algum interessada no dinheiro daquela família. Tudo teria sido tão mais fácil se o Paulo fosse uma pessoa anónima.
- Eu sei isso tudo. Mas também sei que és alguém transparente e que tudo se irá processar de forma correcta. Não te preocupes.
- Sim, isso é certo. Mas, sinto-me desconfortável nessa situação. Vou pensar em tudo, mas já estou a ver que não tenho saída...
- Pois, possivelmente não terás...mas, deves ver isso como uma graça e não como algo mau. Por outro lado, o Paulo não tem muito a quem recorrer, porque de facto os ditos amigos do Paulo sempre quiseram tirar proveito, mas ele viu que tu és diferente.
- Bom, agora são horas de voltar para casa, já é noite.
- Não queres tomar algo antes de ires?
- Desculpa, António, fica para outro dia. Estou cansada.
- Tudo bem. Encontramo-nos em breve?
- Sim! Aparece quando quiseres. Vai almoçar um dia comigo, avisa-me antes, deixo-te o meu nº de telemóvel.

Aquelas conversas fizeram-me bem, tudo se começava a definir, no entanto continuava ainda sem saber quais eram os planos do Paulo enquanto médico, imaginava mil situações sem saber muito bem qual delas seria. Mas, teria que acalmar a minha curiosidade, pois agora era tempo de organizar o meu trabalho...

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